sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Capitulo 7 - Rangers Ordem dos Arqueiros VOL 2

Não havia respostas a serem encontradas em Pordellath. Os três companheiros atravessaram a vila e encontraram os mesmos sinais de partida repentina que tinham visto no posto da fronteira. Havia indícios de que algumas pessoas tinham feito as malas apressadamente, mas na maioria das casas quase todos os bens dos ocupantes ainda estavam no lugar. Tudo indicava que a população tinha partido às pressas levando o que podia carregar nas costas e um pouco mais. Ferramentas, utensílios, roupas, móveis e ou-tros itens pessoais foram deixados para trás. Mas os três viajantes não conseguiram encontrar pistas do motivo pe-lo qual o povo de Pordellath tinha desaparecido. Ou por que tinha partido.
Quando começou a escurecer, Gilan finalmente pôs fim à busca. Eles voltaram à casa do riadhah, onde tiraram as selas dos cavalos e os escovaram no abrigo de uma pe-quena varanda em frente ao edifício.
Passaram uma noite intranquila na casa. Pelo me-nos, foi o que aconteceu com Will, e este supôs que Ho-race estava tão pouco à vontade quanto ele. Gilan, por sua
vez, parecia relativamente calmo, pois tinha se enrolado em sua capa e pegado no sono no instante em que Will o substituíra, depois do primeiro turno de vigília. Mas a ati-tude de Gilan estava mais controlada do que o normal, e Will imaginou que o arqueiro estava mais preocupado com o desconcertante rumo dos acontecimentos do que deixava transparecer.
Enquanto montava guarda, Will ficou surpreso com os barulhos que uma casa podia provocar. As portas ran-giam, o piso gemia, o teto parecia suspirar a cada sopro do vento lá fora. E a vila parecia cheia de objetos soltos que também batiam e tiniam, o que levou Will a um estado de atenção nervoso e assustado, sentado junto da janela sem vidros na sala da frente da casa, onde as venezianas de madeira estavam presas para ficarem no lugar.
A Lua parecia ansiosa para também colaborar com o clima sinistro; flutuava bem acima da vila, jogando entre as casas longas sombras que pareciam se mover levemen-te, quando se olhava para elas com o canto dos olhos, mas paravam assim que se sentiam observadas.
Mais movimento acontecia quando as nuvens pas-savam sob a Lua, fazendo que a praça principal ficasse iluminada e logo depois mergulhada numa repentina escu-ridão.
Exatamente após a meia-noite, como Gilan tinha previsto, uma chuva constante começou a cair, e os outros barulhos foram acompanhados pelo gorgolejar da água
que corria e pelo pinga-pinga das gotas descendo dos bei-rais para as poças no chão.
Will acordou Horace para assumir a guarda perto das 2 horas. Ele fez uma pilha de almofadas e cobertores no chão da sala principal, enrolou a capa ao redor do corpo e se deitou.
Então ficou acordado por outra hora e meia, escu-tando rangidos, gemidos, gorgolejos, borrifos de água e imaginando se Horace tinha caído no sono e se, mesmo agora, algum terror invisível, incontrolável e sedento de sangue estava rastejando na direção da casa. Ele ainda es-tava preocupado com essa possibilidade quando final-mente adormeceu.
Eles pegaram a estrada nas primeiras horas da ma-nhã seguinte. A chuva tinha parado antes do amanhecer. Gilan estava ansioso para chegar a Gwyntaleth, a primeira cidade grande em sua rota, e descobrir algumas respostas para as charadas com que tinham se deparado até o mo-mento em Céltica. Eles fizeram uma refeição fria e rápida, lavaram-se com água gelada da fonte da vila, depois sela-ram os cavalos e partiram.
Com cuidado, os três desceram a trilha sinuosa e irregular que saía da vila, mas, quando chegaram à estrada principal, fizeram os cavalos galoparem. Eles galoparam por uns vinte minutos e então fizeram os animais avança-
rem num passo mais lento pelos próximos vinte, man-tendo esse ritmo alternado e constante durante toda a manhã.
O grupo fez uma refeição rápida na metade do dia e continuou a viagem. Eles estavam na principal área de mineração de Céltica e tinham passado por pelo menos umas 12 minas de carvão ou ferro: grandes buracos ne-gros abertos nas laterais das colinas e das montanhas e cercados por escoras de madeira e por edifícios de pedra. Mas em nenhum lugar eles viram sinal de vida. Era como se os habitantes de Céltica simplesmente tivessem desa-parecido da face da Terra.
— Eles podem ter desertado do posto da fronteira e até dos vilarejos — Gilan murmurou em determinado momento, quase para si mesmo —, mas nunca conheci um celta que abandonaria uma mina enquanto restasse um grama de metal para ser extraído.
Finalmente, no meio da tarde, eles chegaram ao pi-co de uma montanha e ali, no vale que descia na frente deles, viram as fileiras bem-ordenadas de telhados de pe-dra que formavam o condado de Gwyntaleth. Uma pe-quena torre no centro da cidade indicava um templo. Os celtas seguiam uma religião única e particular que venerava os deuses do fogo e do ferro. Uma torre maior formava o principal ponto de defesa da cidade.
Eles estavam longe demais para perceber qualquer movimento de pessoas nas ruas, mas, como antes, não ha-
via sinal de fumaça nas chaminés e, o que era ainda mais importante na opinião de Gilan, nenhum barulho.
— Barulho? — Horace perguntou. — Que tipo de barulho?
— Batidas, marteladas, tinidos — Gilan respondeu brevemente. — Lembre que os celtas extraem o minério de ferro e também forjam ele. Com a brisa soprando do sudeste como acontece agora, deveríamos ouvir as ferrari-as em funcionamento, mesmo a esta distância.
— Bom, então vamos dar uma olhada — Will su-geriu e começou a impelir Puxão para a frente.
Gilan, contudo, o segurou.
— Acho que talvez eu deva ir na frente sozinho — ele disse devagar sem que os olhos deixassem a cidade no vale abaixo.
Will olhou para ele espantado.
— Sozinho? — perguntou, e Gilan assentiu.
— Ontem você percebeu que ficamos bem visíveis quando entramos em Pordellath. Talvez seja a hora de sermos um pouco mais cuidadosos. Alguma coisa está acontecendo, e eu gostaria de saber o que é.
Will teve que concordar que Gilan estava tomando uma atitude sensata ao ir sozinho. Afinal, ninguém sabia se mover sem ser visto melhor do que ele no Corpo de Arqueiros, e os arqueiros eram os melhores do reino nessa atividade.
Gilan fez sinal para que se afastassem do topo da montanha em que estavam parados e ficassem do outro
lado, num ponto em que uma pequena vala formava um local de acampamento protegido do vento.
— Montem acampamento ali — ele disse. — Nada de fogueiras. Vamos ter que usar rações frias até sabermos o que está acontecendo. Devo estar de volta depois que escurecer.
E, dizendo isso, ele fez Blaze virar, passou trotando pelo cume da montanha e desceu a estrada que levava a Gwyntaleth.
Will e Horace levaram cerca de meia hora para ar-rumar o acampamento. Havia pouca coisa a fazer. Eles amarraram a lona em alguns arbustos ressecados que cres-ciam perto de uma parede de rochas da vala e prenderam a outra ponta com pedras. Pelo menos, havia muitas delas. A lona lhes dava uma cobertura triangular no caso de a chuva recomeçar. Depois, eles prepararam um local para acender fogo em frente ao abrigo. Gilan havia proibido fogueiras, mas, se ele voltasse no meio da noite e mudasse as ordens, eles já estariam preparados.
Foi necessário muito mais tempo para juntar lenha para fogueira. A única fonte real de gravetos eram os ar-bustos raquíticos que cobriam os lados das colinas. As ra-ízes e os galhos dos arbustos eram duros, mas altamente inflamáveis. Os dois garotos cortaram um suprimento ra-zoável, Horace usando a machadinha que levava na mo-chila, e Will, a sua faca de caça. Finalmente, depois que todas as tarefas domésticas tinham sido realizadas, eles se sentaram ao lado da fogueira apagada com as costas apoi-
adas nas rochas. Will gastou alguns minutos amolando a faca numa pedra, restaurando o corte.
— Sem dúvida, prefiro acampar em florestas — Horace disse e mudou pela décima vez a posição das cos-tas apoiadas na rocha.
Will grunhiu em resposta. Mas Horace estava ente-diado e continuou falando, mais para ter alguma coisa para fazer do que por realmente querer conversar.
— Afinal, numa floresta a gente encontra muita lenha bem à mão. Ela praticamente cai das árvores em ci-ma de você.
— Não enquanto você espera — Will discordou.
Ele também estava falando mais para passar o tempo do que por qualquer outra coisa.
— Não. Não enquanto você espera. Normalmente, ela já está lá antes de você chegar — Horace continuou. — Além disso, numa floresta você acha agulhas de pi-nheiro ou folhas no chão que servem para fazer uma cama macia. E têm troncos de árvores para se sentar e se recos-tar. E elas têm muito menos pontas afiadas do que as pe-dras.
Novamente, ele mexeu as costas para um ponto temporariamente mais confortável. Olhou para Will, es-perando que o aprendiz de arqueiro discordasse dele para então poderem discutir e passar o tempo. Will, contudo, apenas grunhiu novamente. Inspecionou o fio da faca e a aguardou na bainha. Desconfortável, endireitou o corpo, tirou o cinturão que carregava a faca e o dobrou sobre a
mochila junto com o arco e a aljava. Então se deitou com a cabeça pousada numa pedra achatada e fechou os olhos, pois a noite maldormida o tinha deixado esgotado e desa-nimado.
Horace suspirou, pegou a espada e começou a afi-á-la, o que era desnecessário, pois já estava extremamente afiada. Mas era alguma coisa para fazer. Ele produzia um som irritante e olhava ocasionalmente para Will a fim de ver se o amigo estava dormindo. Por um momento, acre-ditou que sim, mas então o garoto menor se virou de re-pente, sentou-se e procurou a capa. Ele a enrolou, colo-cou-a na pedra chata que estava usando como travesseiro e voltou a se deitar.
— Você tem razão sobre as florestas — ele disse de mau humor. — Nelas têm lugares muito mais confortá-veis para acampar.
Horace não respondeu. Ele chegou à conclusão de que sua espada estava bastante afiada, guardou-a no estojo untado com óleo e apoiou a arma embainhada na parede de rocha ao seu lado.
Ele observou Will outra vez enquanto tentava en-contrar uma posição confortável. Por mais que se torcesse e se remexesse, sempre havia uma pedra ou uma ponta de rocha espetando suas costas. Cinco ou dez minutos se passaram, e então Horace finalmente disse:
— Quer treinar? Vai ajudar a passar o tempo.
Will abriu os olhos e pensou na ideia. Relutante-mente, ele admitiu para si mesmo que nunca iria conseguir dormir naquele chão duro e pedregoso.
— Por que não?
Ele procurou suas armas de exercício na mochila e então se juntou a Horace na extremidade da barraca onde este desenhava um círculo no chão arenoso. Os dois me-ninos tomaram suas posições e, a um sinal de Horace, começaram.
Will estava melhorando, mas Horace definitiva-mente era o mestre nesse exercício. Will não pôde deixar de admirar a velocidade e o equilíbrio que o colega mos-trou enquanto brandia a espada de madeira em uma série de movimentos atordoantes. Além disso, quando percebia que tinha derrubado a defesa de Will, evitava golpeá-lo no último instante. Em vez disso, apenas tocava levemente o ponto que o golpe teria atingido.
Ele não queria agir assim para mostrar superiorida-de. O treinamento com armas, mesmo que fossem de madeira, era uma parte importante da vida de Horace na-queles dias. Não era algo com que se exibir quando se era melhor do que o oponente. Horace já tinha aprendido muito bem no extenso treinamento na Escola de Guerra que nunca valia a pena subestimar um oponente.
Em vez disso, usava sua capacidade superior para ajudar Will, mostrando como prever golpes, ensinando as combinações básicas que todos os espadachins usavam e a melhor forma de vencê-las.
E Will reconheceu aborrecido que saber como agir era uma coisa e que fazer era outra totalmente diferente. Ele percebeu o quanto o seu antigo inimigo tinha amadu-recido e se perguntou se as mesmas mudanças eram visí-veis nele. Achava que não. Ele não se sentia diferente e, sempre que se via num espelho, também não enxergava nenhuma mudança em sua imagem.
— A sua mão esquerda está indo muito para a frente — Horace destacou quando fizeram uma pausa.
— Eu sei — Will retrucou. — Fico esperando um golpe lateral e quero estar pronto para ele.
— Está bem, mas, se sua mão se adianta demais, fica fácil eu fingir que vou dar um golpe lateral e depois transformar ele num golpe por cima do ombro, entende?
Ele mostrou o movimento que estava descrevendo para Will, começando com a espada num amplo lance circular lateral. Então, com um poderoso movimento do pulso, levou-a para o alto e depois para baixo num forte golpe giratório. Ele parou a lâmina de madeira a alguns centímetros da cabeça de Will, e o aprendiz de arqueiro notou que o seu contragolpe teria chegado muito tarde.
— Às vezes acho que nunca vou aprender essas coisas — ele disse. Horace lhe deu um tapinha encoraja-dor no ombro.
— Está brincando? Você está melhor a cada dia que passa. E além disso eu nunca conseguiria atirar essas facas como você faz.
Mesmo quando estavam na estrada, Gilan tinha in-sistido para que Will praticasse suas habilidades de ar-queiro sempre que possível. Horace tinha ficado impres-sionado, para dizer o mínimo, quando viu o quanto o ga-roto menor tinha ficado competente. Várias vezes, tinha estremecido ao pensar no que poderia acontecer se tivesse que enfrentar um arqueiro como Will. Na opinião de Ho-race, sua precisão com o arco era incrível. Ele sabia que Will podia colocar flechas em todos os espaços de sua ar-madura se quisesse. Até mesmo na pequena abertura para os olhos de um capacete que cobria todo o rosto.
O que não lhe agradava era que a precisão de Will estivesse apenas dentro da média no que se referia aos padrões dos arqueiros.
— Vamos treinar outra vez — Will sugeriu cansa-do. Mas outra voz os interrompeu.
— Não vamos, não, garotinhos. Vamos largar essas armas afiadas e ficar muito quietos, certo?
Os dois aprendizes se viraram ao ouvir essas pala-vras. Ali, na boca da pequena vala semicircular onde ti-nham montado acampamento, estavam duas figuras de aspecto esfarrapado. Ambas tinham barbas compridas e descuidadas e usavam uma estranha mistura de roupas: algumas delas rasgadas e surradas, outras novas e obvia-mente muito caras. O mais alto usava um colete de cetim ricamente bordado, mas coberto por uma grossa camada de sujeira. O outro usava um chapéu escarlate no qual es-tava espetada uma pena enlameada. Ele também levava,
na mão envolta numa atadura suja, um bastão de madeira em cuja ponta havia um prego de ferro. Seu companheiro carregava uma espada comprida, com as bordas denteadas e marcadas, e a agitava na direção dos dois garotos.
— Vamos, meninos. Varas afiadas são perigosas para gente como vocês — ele disse, soltando um riso rouco e gutural.
A mão de Will caiu automaticamente na direção da faca de caça, mas ele nada encontrou. Com uma sensação de desânimo, lembrou que o cinturão, o arco e a aljava es-tavam caprichosamente empilhados do outro lado da fo-gueira, onde ele tinha se sentado. Os dois intrusos iriam impedi-lo de chegar lá, e ele se amaldiçoou por sua falta de cuidado.
Halt ficaria furioso. Então, olhando para a espada e o bastão, percebeu que o aborrecimento de Halt seria a menor de suas preocupações.

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