sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Capitulo 6 - Rangers Ordem dos Arqueiros VOL 2

— Onde raios está todo mundo?
Gilan fez Blaze parar e olhou ao redor do posto de fronteira deserto. Havia uma pequena guarita ao lado da estrada onde dois ou três homens mal conseguiriam se proteger do vento. Mais atrás, tinha uma casa para a guar-nição. Normalmente, num posto de fronteira pequeno e longínquo como esse, havia uma guarnição de cerca de meia dúzia de homens que viviam na casa e faziam turnos na guarita à beira da estrada.
Como a maioria dos edifícios de Céltica, as duas estruturas eram construídas com pedras calcárias cinzentas da região, pedras achatadas do rio que tinham sido parti-das no sentido do comprimento e telhas do mesmo mate-rial. Havia pouca madeira em Céltica. Até as fogueiras pa-ra aquecimento usavam carvão ou turfa sempre que pos-sível. A madeira disponível era usada para escorar os tú-neis e galerias das minas de carvão e ferro de Céltica.
Will olhou em volta inquieto e espiou os arbustos raquíticos que cobriam as colinas varridas pelo vento co-mo se esperasse que uma horda de celtas surgisse delas de
repente. Havia alguma coisa assustadora no silêncio do lugar. Não se ouvia nenhum som, só o suspirar calmo do vento entre as colinas e os arbustos.
— Será que eles estão trocando de turno? — ele sugeriu com uma voz que pareceu extremamente alta.
— É um posto de fronteira — Gilan retrucou. — Precisa estar guarnecido o tempo todo.
Ele saltou da sela e fez sinal para Will e Horace permanecerem montados. Puxão, sentindo a inquietação de Will, deu alguns passos nervosos para o lado. Will o acalmou com um afago delicado no pescoço. As orelhas do pequeno cavalo se ergueram ao toque do dono, e o animal balançou a cabeça como se quisesse negar que es-tivesse tão inquieto.
— Será que eles foram atacados e expulsos? — Horace perguntou. Sua mente sempre o fazia pensar em luta, o que Will imaginou ser natural num aprendiz da Escola de Guerra.
Gilan deu de ombros enquanto abria a porta da guarita e espiava ali dentro.
— Talvez. Mas não parece haver nenhum sinal de luta.
Ele se recostou no batente da porta e franziu a tes-ta. A guarita era uma construção de um aposento mobili-ado com apenas alguns bancos e uma mesa. Não havia nada ali que mostrasse o paradeiro dos ocupantes.
— Este é só um posto sem importância — ele disse pensativo. — Talvez os celtas simplesmente tenham pa-
rado de usar ele. Afinal, a trégua entre Céltica e Araluen já dura mais de trinta anos.
Ele se afastou do batente e fez um sinal em direção à casa da guarnição com o polegar.
— Talvez a gente encontre alguma coisa lá.
Os dois garotos desmontaram. Horace levou seu cavalo e o pônei de carga até uma cerca perto da estrada. Will simplesmente deixou as rédeas de Puxão caírem no chão. O cavalo do aprendiz estava treinado para não se afastar. Ele tirou o arco do estojo de couro atrás da sela e o pendurou atravessado nos ombros. Naturalmente, já es-tava preparado com a corda. Arqueiros sempre viajavam com os arcos prontos para uso. Horace, percebendo o gesto, afrouxou levemente a espada dentro do estojo, e os dois se puseram a acompanhar Gilan até a casa da guarni-ção.
O pequeno prédio de pedra era bem organizado e estava limpo e deserto. Mas ali havia sinais de que seus ocupantes tinham partido apressados. Havia alguns pratos na mesa com restos secos de comida, e as portas de vários armários estavam abertas. E peças de roupa estavam es-palhadas no chão do dormitório, como se seus donos ti-vessem enfiado alguns pertences nas mochilas apressada-mente antes de sair. Muitos catres estavam sem lençol.
Gilan correu o dedo indicador ao longo da mesa da sala de refeições, deixando uma linha ondulada na camada de poeira que se tinha juntado ali. Ele inspecionou a ponta do dedo e franziu os lábios
— Já faz tempo que eles partiram — constatou.
Horace, que estava espiando a pequena despensa debaixo das escadas, assustou-se com a voz do arqueiro e bateu a cabeça na soleira baixa da porta.
— Como você pode ter certeza? — ele perguntou, mais para ocultar o constrangimento do que por verda-deira curiosidade.
Gilan mostrou o aposento com um gesto do braço.
— Os celtas são pessoas organizadas. Essa poeira deve ter se acumulado desde que eles foram embora. O meu palpite é que o lugar está vazio há pelo menos um mês.
— Talvez isso seja verdade — Will respondeu, descendo as escadas, vindo da sala de comando. — Talvez eles tenham decidido que não precisavam mais manter homens neste posto.
Gilan acenou várias vezes com a cabeça, mas sua expressão mostrou que ele não estava convencido.
— Isso não iria explicar por que saíram apressados — retrucou — Olhem tudo isto: a comida na mesa, os armários abertos, as roupas espalhadas no chão. Quando se fecha um posto como este, as pessoas fazem uma lim-peza e levam os pertences com elas. Principalmente os celtas. Como eu disse, eles são muito caprichosos.
E, como se esperasse encontrar algum indício que revelasse aquele enigma, ele saiu da casa e olhou a paisa-gem deserta que os rodeava. Mas não havia nada visível
além dos cavalos que pastavam preguiçosamente no capim curto que crescia junto da guarita.
— O mapa mostra que a vila mais próxima é Por-dellath — ele informou. — Fica um pouco fora do cami-nho, mas lá talvez a gente possa descobrir o que está a-contecendo aqui.
Pordellath ficava somente a 5 quilômetros de dis-tância. Por causa do terreno íngreme, o caminho dava voltas e ziguezagueava para o alto das colinas. Conse-quentemente, eles quase tinham chegado à vila quando a viram. Já era fim de tarde, e Will e Horace sentiam ponta-das de fome. Eles não tinham parado para a habitual re-feição do meio-dia, inicialmente porque queriam chegar logo ao posto da fronteira e depois porque tinham se a-pressado para chegar a Pordellath. Com certeza, haveria uma pousada na vila, e os garotos estavam pensando ale-gremente numa refeição quente e em bebidas frias. Por causa disso, ficaram surpresos quando Gilan puxou as ré-deas do cavalo assim que a vila ficou visível, depois da curva de uma colina a cerca de 200 metros de distância.
— Que diabos está acontecendo aqui? — ele per-guntou. — Olhem só aquilo!
Will e Horace olharam. Sinceramente, Will não en-xergava o que poderia incomodar o jovem arqueiro.
— Não estou vendo nada — ele admitiu. Gilan se virou para ele.
— Exatamente! — ele concordou. — Nada! — Não há fumaça nas chaminés nem pessoas nas ruas. A vila parece tão vazia quanto o posto da fronteira!
Ele cutucou Blaze com os joelhos, e o cavalo baio saiu num meio-galope na estrada pedregosa. Will o seguiu, enquanto o cavalo de Horace reagiu um pouco mais de-vagar. Formando uma fila, eles cavalgaram para a vila, fi-nalmente freando na pequena praça do mercado.
Não havia muita coisa em Pordellath. Apenas a pequena rua principal por onde eles entraram, cercada de casas e lojas dos dois lados e se abrindo para a pequena praça no final. Esta era dominada pelo maior edifício da vila, que era, segundo o costume dos celtas, a moradia do riadhah. O riadhah era o chefe da vila por tradição here-ditária, uma combinação de chefe do clã, prefeito e dele-gado. A sua autoridade era absoluta, e ele governava in-contestado os demais moradores.
Quando havia moradores para serem governados. Naquele dia, não havia riadhah nem moradores, apenas os ecos leves e agonizantes dos cascos dos cavalos na super-fície coberta de pedriscos da praça.
— Olá! — Gilan gritou, e sua voz ecoou pela rua principal, batendo nas pedras dos edifícios e depois se es-palhando para as colinas próximas.
— O... lá... lá... lá... — o eco repetiu desaparecendo lentamente até silenciar.
Os cavalos se mexeram nervosos outra vez. Will estava relutante em chamar a atenção do arqueiro, mas fi-cara inquieto pela forma como ele tinha anunciado a pre-sença deles ali.
— Será que você deveria fazer isso? — indagou.
Gilan olhou para ele, e um pouco de seu bom hu-mor habitual retornou quando percebeu a razão do des-conforto de Will.
— Por que está perguntando? — ele quis saber.
— Bom — Will disse olhando nervoso ao redor da praça do mercado deserta —, se alguém levou as pessoas daqui, talvez a gente não queira que ele saiba que chega-mos.
— Acho que é um pouco tarde para isso — Gilan retrucou dando de ombros. — Entramos aqui a galope, como a cavalaria do rei, e viajamos na estrada totalmente visíveis. Se alguém estava vigiando, certamente já nos viu.
— Acho que sim — Will concordou sem muita certeza. Enquanto isso, Horace tinha levado seu cavalo para perto de uma das casas e estava se preparando para descer da sela e espiar para dentro das janelas baixas. Gi-lan notou o movimento.
— Vamos dar uma olhada por aí — ele sugeriu desmontando. Horace não estava muito ansioso para se-guir esse exemplo.
— E se houve algum tipo de praga ou alguma coisa parecida? — ele perguntou.
— Uma praga? — Gilan replicou.
— Sim. Quer dizer, ouvi falar que coisas como es-sas aconteceram muitos anos atrás — Horace respondeu engolindo a saliva nervoso
— Cidades inteiras foram varridas por uma praga que surgia e simplesmente... meio que... matava as pessoas onde elas estavam.
Enquanto dizia isso, ele fez o cavalo se afastar da casa e foi para o centro da praça. Sem perceber, Will co-meçou a acompanhá-lo. No momento em que Horace sugeriu a ideia, ele formou imagens dos dois caídos na praça com o rosto negro, a língua para fora e os olhos sal-tados em seus momentos finais de agonia.
— Então essa praga pode simplesmente aparecer do nada? — Gilan perguntou com calma.
Horace assentiu várias vezes.
— Na verdade, ninguém sabe realmente como ela se espalha — ele disse. — Ouvi dizer que é o ar da noite que carrega as pragas. Ou, às vezes, o vento oeste. Mas não importa como viaja, ela ataca tão depressa que não há escapatória. Simplesmente mata você onde estiver.
— Todos os homens, mulheres e crianças por onde passa? — Gilan perguntou.
Novamente, Horace balançou a cabeça com entu-siasmo.
— Todos. Mortinhos da silva!
Will estava começando a sentir a garganta secar enquanto os outros dois conversavam. Ele tentou engolir, sentiu um incomodo na garganta e teve um momento de
pânico quando se perguntou se aquele não era o primeiro sinal da praga. Sua respiração ficou mais rápida, e ele qua-se não ouviu a próxima pergunta de Gilan.
— E então ela simplesmente... derrete os corpos e os transforma em pó? — ele indagou com delicadeza.
— É isso mesmo! — Horace respondeu e só de-pois percebeu o que o arqueiro tinha dito.
Ele hesitou, olhou em volta da vila deserta e não viu sinal de nenhum corpo. De repente, por coincidência, Will deixou de ter a sensação desconfortável na garganta.
— Ah... — Horace disse quando se deu conta da falha em sua teoria. — Bom, talvez seja um novo tipo de praga. Talvez ela dissolva os corpos.
Gilan olhou para ele com a cabeça inclinada para o lado.
— Ou talvez tenha havido uma ou duas pessoas imunes, e elas enterraram todos os outros? — Horace su-geriu.
— E onde essas pessoas estão agora? — Gilan re-plicou.
— Talvez tenham ficado tão tristes que não con-seguiram continuar vivendo aqui — ele disse, dando de ombros, tentando manter viva sua teoria.
— Horace, seja lá o que for que tenha expulsado as pessoas daqui, não foi uma praga — Gilan declarou.
Ele olhou rapidamente para o céu que escurecia.
— Está ficando tarde. Vamos dar uma olhada por aí e encontrar um lugar para passar a noite.
— Aqui? — Will se espantou inquieto. — Na vila?
— A menos que você queira acampar nas colinas — ele sugeriu. — Há poucos abrigos adequados e geral-mente chove nesta área à noite. Pessoalmente, prefiro passar a noite debaixo de um teto, mesmo que esteja de-serto.
— Mas... — Will começou, porém não encontrou nenhum argumento racional para continuar.
— Tenho certeza de que seu cavalo também prefe-re passar a noite debaixo de um telhado do que na chuva — Gilan acrescentou gentilmente devolvendo o equilíbrio a Will.
Seu primeiro instinto foi cuidar de Puxão e não era justo condenar o pônei a passar uma noite úmida e des-confortável nas colinas só porque seu dono tinha medo de algumas casas vazias. Ele assentiu com um gesto de cabe-ça e pulou da sela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário