sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Capitulo 5 - Rangers Ordem dos Arqueiros VOL 2

Eles estavam de volta à estrada antes mesmo de o sol surgir no horizonte. As nuvens tinham desaparecido, car-regadas para longe por um vento fresco vindo do sul, e o ar estava limpo e frio quando a trilha que percorriam su-biu sinuosa para o alto das colinas que levavam à fronteira de Céltica.
As árvores ficaram mais mirradas e tortas, a grama era grosseira e a floresta densa tinha sido substituída por arbustos baixos e retorcidos pelo vento.
Aquela era uma parte do território onde os ventos sopravam constantemente e a terra refletia sua incessante ação destruidora. As poucas casas que viram ao longe com suas paredes de pedra e telhados rústicos, estavam amon-toadas ao lado das colinas. Aquela era uma parte fria e de-sagradável do reino e, conforme Gilan tinha dito a eles, ficaria ainda pior quando entrassem em Céltica.
Naquela noite, enquanto relaxavam em volta da fogueira do acampamento, Gilan continuou a dar aulas de esgrima para Horace.
— A coordenação é a essência da coisa toda — ele disse para o suado aprendiz. — Você está vendo como está se defendendo com o braço travado e rígido?
Horace olhou para o braço direito e, realmente, Gilan tinha razão. Ele pareceu aborrecido.
— Mas eu tenho que estar pronto para impedir o seu golpe — ele explicou.
— Olhe... está vendo como eu faço? — Gilan, com paciência, fez uma demonstração com a própria espada. — Quando o seu golpe esta vindo, a minha mão e meu braço estão relaxados. Então, exatamente antes que a sua espada alcance o ponto em que quero que pare, faço um pequeno contragiro, viu?
E foi o que ele fez, usando a mão e o pulso para girar a lâmina da espada, formando um pequeno arco.
— Seguro a espada com mais força no último mo-mento, e a maior parte da energia do giro é absorvida pelo movimento da minha própria lâmina.
Horace ficou em dúvida. Parecia muito fácil para Gilan.
— Mas... e se eu calcular mal o tempo?
— Bom, nesse caso, eu provavelmente vou arran-car sua cabeça — Gilan retrucou com um sorriso largo.
Ele fez uma pausa, porque viu que Horace não ti-nha ficado muito satisfeito com a resposta.
— A ideia é não calcular mal — Gilan acrescentou com delicadeza.
— Mas... — o garoto começou.
— E como você consegue melhorar a coordena-ção? — Gilan interrompeu.
— Eu sei. Eu sei. Prática — Horace respondeu cansado.
— Isso mesmo. Então, está pronto? — Gilan in-dagou radiante.
— Um, e dois, e três, e quatro, assim está melhor, e três, e quatro... Não! Não! Só um pequeno movimento do pulso... e um, e dois...
O tilintar das lâminas ecoava pelo acampamento. Satisfeito com o fato de que não era ele que estava suando em bicas, Will observava com pouco interesse.
Depois de alguns dias, Gilan percebeu que Will pa-recia um pouco relaxado demais. Gilan estava sentado a-fiando a lâmina de sua espada depois de uma sessão de treino com Horace quando olhou para o aprendiz de ar-queiro com ar de zombaria.
— Halt já lhe mostrou a defesa da espada com faca dupla? — ele perguntou de repente.
Will olhou surpreso para ele
— Faca dupla... o quê? — ele perguntou hesitante.
Gilan suspirou profundamente.
— A defesa da espada. Droga! Eu devia ter perce-bido que teria mais trabalho para fazer. Bem feito para mim! Trazer dois aprendizes...
Ele se levantou com um suspiro exagerado e fez sinal para que Will o acompanhasse. Atordoado, o garoto obedeceu.
Gilan mostrou o caminho para uma clareira circular onde ele e Horace tinham praticado esgrima. Horace ainda estava lá, dando golpes e cortes num inimigo imaginário enquanto contava baixinho o tempo para si mesmo. O suor corria livremente por seu rosto, e sua camisa estava ensopada.
— Certo, Horace — Gilan chamou. — Faça uma pausa de alguns minutos.
Agradecido, Horace obedeceu. Abaixou a espada e se deixou cair no tronco de uma árvore tombada.
— Acho que estou pegando o jeito da coisa — ele disse, e Gilan concordou.
— Bom para você. Mais três ou quatro anos e você poderá dominar essa arte.
Ele falou alegremente, mas a expressão de Horace ficou desanimada diante da perspectiva dos longos anos de treinamento cansativo que o esperavam.
— Olhe para o lado bom, Horace — Gilan disse. — No fim desse período, vai haver menos que meia dúzia de espadachins no reino que poderão vencer você num duelo.
O rosto de Horace se animou um pouco, mas logo tornou a ficar desconsolado quando Gilan acrescentou:
— O segredo está em saber quem são essas pesso-as. Seria muito desagradável se você desafiasse um deles e só depois descobrisse isso, não é?
Ele não esperou a resposta e se voltou para o garo-to menor.
— Agora, Will, vamos dar uma olhada nessas suas facas.
— As duas? — Will hesitou, e Gilan revirou os o-lhos.
A expressão era muito parecida com a que Halt u-sava quando Will fazia perguntas demais.
— Desculpe — Will murmurou, enquanto desem-bainhava as duas facas e as entregava a Gilan.
O arqueiro mais velho não as pegou, mas inspe-cionou rapidamente o gume e verificou se estavam cober-tas por uma fina camada de óleo que as protegeria da fer-rugem. Satisfeito, ele assentiu quando viu que tudo estava em ordem.
— Certo. A faca de caça fica na mão direita porque é a que se usa para bloquear um golpe de espada...
— Por que eu iria precisar bloquear um golpe de espada?
Gilan se inclinou para a frente e deu uma pancada não muito delicada com os nós dos dedos no alto da ca-beça de Will.
— Bom, talvez impedir que ela rache o seu crânio seja um bom motivo — ele sugeriu.
— Mas Halt disse que os arqueiros não lutam cor-po a corpo — Will protestou.
— Certamente não é nosso papel — Gilan con-cordou —, mas, se isso acontecer e tivermos que fazer, é uma boa ideia saber como proceder.
Enquanto falavam, Horace tinha levantado do tronco caído e se aproximado para observá-los.
— Você não acha que uma faca pequena como essa vai parar uma espada, acha? — ele interrompeu com um certo desprezo.
— Dê uma olhada melhor nessa “faca pequena” antes de falar com tanta segurança — Will convidou.
Horace estendeu a mão para a faca, e Will rapida-mente a virou e colocou o cabo na mão do amigo.
Will tinha que concordar com Horace. A faca era grande. Na verdade, quase uma espada curta, mas, com-parada a uma espada de verdade, como a de Horace ou a de Gilan, parecia tristemente inadequada.
Horace girou a faca para testar o equilíbrio.
— É pesada — ele disse afinal.
— E dura. Muito, muito dura — Gilan acrescen-tou. — Facas de arqueiros são feitas por artífices que a-perfeiçoaram a arte de endurecer o aço em um grau sur-preendente. A sua espada pode ficar cega nessa lâmina e mal deixar uma marca nela.
— Mesmo assim, você tem me ensinado a noção de movimento e equilíbrio a semana toda. Uma lâmina curta como essa tem muito menos equilíbrio.
— Isso é verdade — Gilan concordou. — Então precisamos encontrar outra fonte de equilíbrio, não é mesmo? E vamos achar isso na faca mais curta, na faca de atirar.
— Não entendo — Horace retrucou com a testa muito franzida. Will também não entendia, mas ficou sa-tisfeito porque o outro garoto admitiu sua ignorância pri-meiro. Então, ele adotou um olhar sabido enquanto espe-rava a explicação de Gilan. Mas deveria ter previsto que os olhos atentos do arqueiro não perdiam nada.
— Bem, talvez Will possa explicar para você — Gilan disse feliz. Ele inclinou a cabeça na direção de Will, que hesitou.
— Bem... é o... ah... hum... a defesa de duas facas — ele balbuciou. — Não é? — acrescentou, em dúvida, depois de uma longa pausa em que Gilan não disse nada.
— Claro que é! — Gilan respondeu. — E que tal se você fizesse uma demonstração?
Ele nem mesmo esperou a resposta de Will, pois continuou depois de uma breve pausa:
— Eu achava mesmo que não. Então me dê licen-ça, por favor. Ele pegou a faca de caça de Will e tirou a própria faca de atirar da bainha.
Então fez um gesto na direção da espada de Horace com a faca menor.
— Pegue sua espada — ele ordenou muito sério.
Horace obedeceu hesitante. Gilan gesticulou para que ele se dirigisse à área de exercícios e se posicionou. Horace fez o mesmo, com a ponta da espada virada para cima.
— Agora, tente dar um golpe acima do ombro em mim — Gilan disse.
— Mas... — Horace mostrou com ar infeliz as duas armas menores nas mãos de Gilan, que revirou os olhos desesperado.
— Quando vocês dois vão aprender? — pergun-tou. — Eu sei o que estou fazendo. Agora, VAMOS CONTINUAR!
Ele chegou a gritar as últimas palavras. O grande aprendiz, estimulado a agir e condicionado a obedecer imediatamente às ordens proferidas aos gritos, depois de meses passados no campo de treino, agitou a espada num golpe mortal na direção da cabeça de Gilan.
Ouviu-se um tilintar forte de aço, e a lâmina parou de imediato no ar. Gilan havia cruzado as duas facas de arqueiro na frente dela, num movimento em que a faca de atirar dava apoio à lâmina da faca de caça, e bloqueou o golpe facilmente. Horace, surpreso, recuou um pouco.
— Viu? — Gilan perguntou. — A faca menor ofe-rece o apoio ou o equilíbrio extra para a arma maior.
Ele dirigiu as observações principalmente para Will, que assistia a tudo com grande interesse.
— Certo. Agora um golpe por baixo, por favor — continuou dirigindo-se para Horace.
O aprendiz de guerreiro desferiu o golpe e, nova-mente, Gilan uniu as duas lâminas e bloqueou o movi-mento. Ele olhou para Will, que acenou mostrando que entendia.
— Agora, um golpe lateral — Gilan ordenou.
Novamente, Horace girou a espada. Novamente, a arma foi parada no mesmo instante.
— Está entendendo? — Gilan perguntou para Will.
— Sim. E quanto a um golpe direto? — ele quis saber, Gilan fez um aceno de aprovação.
— Boa pergunta. Esse é um pouco diferente. — Ele se virou para Horace. — Se, por acaso, algum dia você enfrentar um homem que esteja usando duas facas, uma estocada direta é a forma mais segura e eficiente de ata-que. Agora, ataque, por favor.
Horace investiu com a ponta da espada, o pé direito abrindo caminho com força no chão a fim de dar mais impulso ao golpe. Desta vez Gilan usou somente a faca de caça para desviar a lâmina, fazendo que o aço passasse deslizando por seu corpo.
— É impossível parar esse golpe — ele ensinou a Will. — Por isso, nós simplesmente o desviamos. A nosso favor está o fato de que uma estocada vem com menos força, então podemos usar apenas a faca de caça.
Horace, sem sentir uma verdadeira resistência ao seu golpe, tinha tropeçado para a frente quando a lâmina foi desviada. No mesmo instante, a mão esquerda de Gi-lan agarrou a camisa dele e o puxou para perto, até que os ombros dos dois ficaram quase se tocando. Tudo aconte-ceu tão depressa e casualmente que Horace arregalou os olhos surpreso.
— E é nesse momento que uma lâmina curta é muito útil. — Gilan ressaltou.
Ele fingiu dar um golpe por baixo do braço no lado do corpo de Horace que estava exposto. O garoto arrega-lou os olhos ainda mais quando percebeu todas as impli-cações do que tinha acabado de ver. Seu desconforto au-mentou quando Gilan continuou a demonstração.
— E, é claro, se você não quiser matar ele, ou se ele estiver usando uma malha de ferro, você sempre pode u-sar a lâmina da faca para aleijar.
Ele fez um movimento rápido em direção à parte de trás do joelho de Horace, deixando que a lâmina pesa-da e afiada parasse a alguns centímetros da perna.
Horace prendeu a respiração, mas a aula ainda não tinha terminado.
— Ah, lembre-se — Gilan acrescentou alegremente —, minha mão esquerda, que está segurando o colarinho, também está segurando uma lâmina afiada — ele agitou a faca de atirar, de lâmina larga e curta, chamando a atenção para ela. — Uma rápida estocada debaixo do maxilar e adeus para o espadachim, concorda?
Will balançou a cabeça admirado.
— Isso é fantástico, Gilan! — exclamou. — Nunca vi nada parecido.
Gilan soltou o colarinho da camisa de Horace, e o garoto recuou depressa antes que o arqueiro continuasse se aproveitando de sua vulnerabilidade.
— Não gostamos de fazer alarde sobre isso — o arqueiro admitiu. — É preferível nos depararmos com um espadachim que não saiba dos perigos que envolvem a
defesa com duas facas — ele olhou para Horace com ar arrependido. — Naturalmente, isso é ensinado na Escola de Guerra do Reino. Mas é matéria para o 2o ano. Sir Rodney vai mostrar isso no ano que vem.
— Posso tentar? — Will perguntou ansioso, en-trando na área de exercício e desembainhando a faca de atirar.
— Claro — Gilan concordou. — Vocês também podem praticar juntos, à noite, a partir de hoje. Mas não com armas de verdade. Cortem algumas varas para treinar.
— É mesmo, Will — disse Horace concordando com a ideia sensata de Gilan. — Afinal, você só está co-meçando a aprender essa lição, e não quero machucar vo-cê. Pelo menos não muito — acrescentou sorrindo depois de pensar um pouco.
— Realmente esse é um dos motivos — Gilan co-mentou, e o sorriso no rosto de Horace desapareceu. — Mas nós também não temos tempo para amolar sua espa-da todas as noites.
Ele olhou para a lâmina de Horace de um jeito sig-nificativo. O aprendiz seguiu o olhar e soltou um leve ge-mido. Havia duas marcas profundas no fio da lâmina, ob-viamente causadas pelos bloqueios de Gilan. Um olhar disse a Horace que ele teria que passar pelo menos uma hora afiando a espada para se livrar delas. Ele observou a faca de caça e esperou ver os mesmos danos ali. Contente, Gilan examinou a pesada lâmina de perto.
— Nenhuma marca — ele afirmou sorrindo. — Lembre que eu disse que as facas dos arqueiros são fabri-cadas de um jeito especial.
Desanimado, Horace procurou o amolador em sua mochila e, sentando-se no chão duro, começou a passá-lo ao longo do fio da espada.
— Gilan — Will começou. — Andei pensando...
Gilan ergueu as sobrancelhas num falso desespero. Novamente, sua expressão fez Will se lembrar de Halt.
— Sempre um problema — o arqueiro disse. — E o que pensou?
— Bom — Will respondeu devagar —, está tudo bem com essa história das duas facas. Mas não seria me-lhor simplesmente atingir o espadachim antes que ele se aproximasse demais?
— Sim, Will, certamente seria — Gilan concordou com paciência. — Mas e se você estiver pronto para fazer isso e a corda do seu arco arrebentar?
— Eu poderia correr e me esconder — ele sugeriu.
— E se não houver lugar para se esconder? — Gi-lan pressionou. — Você está encurralado junto da parede de um penhasco íngreme. Não tem para onde ir. A corda do arco arrebentou e o espadachim furioso está se apro-ximando. O que vai fazer?
— Acho que então vou ter que lutar — ele admitiu relutante.
— Exatamente. Evitamos um combate direto sem-pre que possível. Mas, se isso tiver que acontecer quando
não tivermos outra escolha, é uma boa ideia estar prepa-rado, certo?
— Acho que sim — Will retrucou. Então Horace apresentou uma questão.
— E se for alguém com um machado?
— Um homem com um machado? — Gilan per-guntou.
— Sim — Horace reforçou a ideia. — E se você enfrentar um inimigo com uma acha? As suas facas vão funcionar?
— Eu não aconselharia ninguém a enfrentar uma acha somente com duas facas — ele disse com cuidado depois de hesitar.
— Então, o que devo fazer? — Will retrucou.
Gilan olhou de um para outro com a impressão de estar sendo vítima de uma brincadeira.
— Atire nele — ele disse simplesmente. Will deu um sorriso.
— Não posso — ele lembrou. — A corda do arco arrebentou.
— Então corra e se esconda — Gilan devolveu en-tre os dentes cerrados.
— Mas há o penhasco — Horace ressaltou. — Uma parede alta atrás dele e um homem furioso com um machado se aproximando.
— O que devo fazer? — Will repetiu.
Gilan respirou fundo e encarou os dois, um depois do outro.
— Pule do penhasco. Vai fazer menos sujeira.

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