sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Capitulo 25 - Rangers Ordem dos Arqueiros VOL 2

Os quatro escandinavos e seus prisioneiros haviam ca-minhado com dificuldade pelo planalto deserto e varrido pelo vento até a noite chegar. Erak ordenou que parassem somente várias horas depois de escurecer, e Will e Evan-lyn se deixaram cair no chão pedregoso agradecidos. A dor de cabeça de Will tinha diminuído um pouco durante o dia, mas o ferimento ainda latejava. O sangue seco onde a pedra pontiaguda o tinha atingido coçava terrivelmente, mas ele sabia que, se coçasse o ferimento, abriria e torna-ria a sangrar.
Pelo menos Erak não os tinha mantido amarrados ou impedido seus movimentos de nenhuma forma. Como o líder dos escandinavos tinha dito, não havia lugar para onde os prisioneiros pudessem fugir.
— Este lugar está cheio de Wargals — ele tinha di-to asperamente. — Vocês podem se arriscar a encontrar com eles, se preferirem.
Assim, eles ficaram no meio do grupo, passando por bandos de Wargals o dia todo e indo cada vez mais para o nordeste, na direção do Desfiladeiro dos Três Pas-
sos. Naquele momento, os quatro escandinavos soltaram as pesadas sacolas no chão, e Nordel começou a juntar lenha para o fogo. Svengal jogou uma grande panela de cobre aos pés de Evanlyn e fez sinal na direção de um ri-acho que borbulhava entre pedras próximas.
— Vá pegar água — ele disse de mau humor.
A garota hesitou por um momento, então deu de ombros, pegou a panela e se levantou gemendo suave-mente quando seus músculos e juntas cansados foram o-brigados mais uma vez a suportar seu peso.
— Venha, Will — ela disse como quem não quer nada. — Venha me ajudar.
Erak estava remexendo na sacola aberta e virou a cabeça de repente:
— Não! — ele disse rispidamente, e todo o grupo se virou para olhá-lo.
Erak apontou o dedo grosso para Evanlyn.
— Não me importo que você saia por aí — ele disse — porque sei que vai voltar. Mas o arqueiro pode resolver fugir, apesar de tudo.
Will, que tinha pensado em fazer exatamente isso, tentou parecer surpreso.
— Não sou um arqueiro — ele disse. — Sou só um aprendiz.
— Talvez seja verdade — Erak respondeu rindo com desdém. — Mas você derrubou aqueles Wargals na ponte tão bem quanto qualquer arqueiro. Fique onde eu possa vigiar.
Will deu de ombros, sorriu fracamente para Evan-lyn e se sentou de novo, suspirando ao se recostar numa rocha. Ele sabia que logo ela ficaria dura, encaroçada e desconfortável. Mas, naquele exato momento, era uma bênção.
Os escandinavos se puseram a montar acampa-mento. Não demorou muito para que tivessem acendido um bom fogo; quando Evanlyn voltou com o pote cheio de água, Erak e Svengal pegaram provisões secas que co-locaram na panela para fazer um cozido. A refeição era simples e um tanto insípida, mas era quente e encheu o estômago. Pesaroso, Will se lembrou da comida que saía da cozinha do mestre Chubb. Com tristeza, ele se deu conta de que agora esses pensamentos e os momentos passados na floresta com Halt eram somente lembranças. Imagens vinham à sua mente sem ser convidadas: Puxão, Gilan e Horace. O Castelo Redmont, visto sob os últimos raios do sol poente, com suas paredes de pedras duras como ferro que emitiam um brilho vermelho pálido como se tivessem uma luz interior. Lágrimas se formaram em seus olhos e arderam ao serem derramadas. Sem que nin-guém visse, ele tentou enxugá-las com as costas da mão. De repente, a refeição ficou com menos gosto que antes.
Evanlyn pareceu perceber aquela tristeza cada vez maior. Will sentiu a mão quente e pequena da garota co-brir a sua e soube que ela estava olhando para ele. Mas o aprendiz não conseguiu encarar aqueles olhos verdes, pois as lágrimas estavam prestes a cair.
— Vai ficar tudo bem — ela sussurrou.
Will tentou falar, mas não conseguiu proferir as pa-lavras. Então, ele fixou o olhar na superfície arranhada da tigela de madeira em que os escandinavos tinham lhe dado comida.
Eles estavam acampados a alguns metros da estra-da, no alto de uma pequena elevação. Erak tinha dito que gostava de ver qualquer pessoa que quisesse se aproximar. Nesse momento, virando uma curva da estrada a várias centenas de metros de distância, vinha um grande grupo de cavaleiros seguidos por uma tropa de Wargals que cor-riam para acompanhar o trote dos cavalos. O som da cantoria das criaturas chegou até eles trazido pela brisa, outra vez, e Will sentiu um calafrio na nuca.
Erak se virou rigidamente para os dois, fazendo um gesto para que se escondessem entre as pedras atrás do acampamento.
— Depressa, vocês dois! Atrás das pedras, se dão valor à vida! Aquele é o próprio Morgarath no cavalo branco! Nordel, Horak, venham para baixo da luz enco-brir eles.
Will e Evanlyn não precisaram de um segundo convite. Eles se esgueiraram abaixados até o esconderijo proporcionado pelas pedras. Seguindo as ordens de Erak, os dois escandinavos se levantaram e ficaram junto da luz da fogueira, desviando a atenção dos cavaleiros que se aproximavam das duas pequenas figuras que se encontra-vam na semi-escuridão.
A cantoria, misturada com o bater dos cascos dos cavalos e o tilintar dos escudos e das armas, ficou mais próxima quando Will se deitou de bruços, com um dos braços cobrindo Evanlyn. Como já tinha feito antes, ele puxou o capuz da capa sobre a cabeça para esconder o rosto nas sombras profundas. Havia uma pequena fresta entre duas rochas e, sabendo que estava correndo um ris-co terrível, mas incapaz de resistir, ele espiou através dela.
A visão estava restrita a alguns metros. Erak estava do outro lado da fogueira, de frente para os cavaleiros que se aproximavam. Will percebeu que, ao fazer isso, ele ti-nha colocado o brilho da luz do fogo entre os re-cém-chegados e o ponto em que ele e Evanlyn estavam escondidos. Se algum dos Wargals olhasse em sua direção, olharia diretamente para o fogo brilhante. Era uma lição de tática que ele guardou para uso futuro.
O barulho de cavalos e homens parou. A cantoria dos Wargals morreu abruptamente. Houve um silêncio de um ou dois segundos. Então, uma voz se fez ouvir. Uma voz baixa que sibilava como uma cobra.
— Capitão Erak, para onde está indo?
Will se esforçou para ver quem falava. Não havia dúvida de que aquela voz fria e perversa pertencia a Mor-garath. Ela soava como se estivesse envolta em gelo e ó-dio. Tinha o som de unhas raspando em ladrilhos. O san-gue gelava quando ela se fazia ouvir. Os pelos da nuca de Will se eriçaram e, debaixo de sua mão, ele sentiu Evanlyn estremecer.
Mas, se a voz exercia o mesmo efeito em Erak, ele não demonstrava.
— Meu título correto é “jarl”, lorde Morgarath — ele disse com calma —, não “capitão”.
— Então preciso tentar me lembrar disso, no caso de eu ter algum interesse em saber — Morgarath disse com a voz fria. — Agora... capitão — ele continuou enfa-tizando o título —, eu repito: para onde está indo?
Houve um ruído de arreios e, pela fresta nas pedras, Will viu um cavalo branco avançar. Não um cavalo branco de pelos brilhantes como o que seria montado por um ga-lante cavaleiro, mas um cavalo claro com um pelo sem brilho e sem vida. Ele era enorme, de um branco sujo e com olhos selvagens que não paravam de se movimentar. O aprendiz se inclinou um pouco para o lado e conseguiu enxergar uma mão coberta por uma luva preta que segu-rava as rédeas levemente. Mas isso foi tudo o que viu do cavaleiro.
— Pensamos que iríamos unir nossas forças no Desfiladeiro dos Três Passos, senhor — Erak explicou. — Suponho que o senhor ainda continuará com o ataque, mesmo que a ponte tenha caído.
Morgarath praguejou terrivelmente à menção da ponte. Sentindo sua fúria, o cavalo branco deu alguns passos para o lado, e assim Will pôde ver quem o monta-va.
Imensamente alto, mas magro, ele estava todo ves-tido de preto. Inclinou-se na sela para falar com os escan-
dinavos, e os ombros curvos e a capa preta o faziam pa-recer um abutre.
O rosto era fino, e o nariz parecia um bico. A pele do rosto era branca e pálida como o cavalo. Os cabelos compridos loiros esbranquiçados e já rareando estavam arrumados de modo a emoldurar o contorno do couro cabeludo. Por contraste, os olhos eram lagos negros. Ele não usava barba, e sua boca era uma linha vermelha que cortava a palidez do rosto.
O Senhor da Chuva e da Noite pareceu sentir a presença de Will. Ele olhou para cima e para além de Erak e seus três companheiros, procurando algo na escuridão atrás deles. O garoto ficou paralisado, mal ousando respi-rar enquanto os olhos negros o procuravam. Mas a luz do fogo derrotou Morgarath e ele voltou a atenção para Erak.
— Sim — ele respondeu. — O ataque vai aconte-cer. Agora que Duncan está com as forças distribuídas no que considera uma posição defensiva forte, ele vai permi-tir que cheguemos até as planícies antes de atacar.
— Momento em que Horth vai apanhar ele pelas costas — Erak completou com uma risadinha, e Morga-rath olhou para ele com a cabeça levemente inclinada es-tudando-o.
Novamente, a pose parecida com a de um pássaro lembrou a Will um abutre.
— Exatamente — ele concordou. — Seria preferí-vel que houvesse duas forças que atacassem pelas laterais,
como eu tinha planejado originalmente, mas uma deve ser suficiente.
— Também penso assim, senhor — Erak concor-dou, e houve um longo momento de silêncio.
Obviamente, Morgarath não tinha interesse em sa-ber se Erak concordava ou não com ele.
— Tudo seria mais fácil se seus companheiros não tivessem nos abandonado — Morgarath disse por fim. — Disseram para mim que seu compatriota Ovlak navegou de volta para a Escandinávia com seus homens. Eu tinha planejado que eles subissem os Penhascos do Sul para nos fortalecer.
— Ovlak é um mercenário — Erak disse, dando de ombros, recusando-se a assumir a culpa por algo que es-tava fora de seu alcance. — Não se pode confiar em mer-cenários. Eles lutam só pelo dinheiro.
— E você... não? — Morgarath perguntou sem emoção, com uma nota de escárnio na voz.
Erak endireitou os ombros.
— Eu honro qualquer tarefa que assumo — ele disse rígido. Morgarath olhou para ele durante um longo e silencioso momento. O escandinavo o encarou e, final-mente, foi o outro quem desviou o olhar.
— Chirath me disse que você fez um prisioneiro na ponte... um guerreiro poderoso, ele disse. Eu não vejo ele.
Novamente, Morgarath tentou enxergar na escuri-dão do outro lado da luz. Erak soltou uma risada áspera.
— Se Chirath era o líder de seus Wargals, ele tam-bém não viu o prisioneiro — o escandinavo respondeu irônico. — Ele passou a maior parte do tempo na ponte escondido atrás de uma pedra e se desviando das flechas.
— E o prisioneiro? — Morgarath repetiu.
— Morto — Erak respondeu. — Nós matamos ele e jogamos no abismo.
— Um fato que me desagrada profundamente — Morgarath retrucou, e Will sentiu um arrepio percorrer sua pele. — Eu teria preferido fazer ele sofrer por interfe-rir nos meus planos. Você deveria ter trazido ele vivo para mim.
— Bem, nós preferiríamos que ele não tivesse ati-rado flechas em volta de nossas orelhas. Ele sabia atirar, isso é verdade. A única forma de pegar ele foi acabando com sua vida.
Houve outro silêncio enquanto Morgarath pensava na resposta. Aparentemente, ela não o satisfazia.
— Que isso sirva de conselho para o futuro. Não aprovei o que fez.
Desta vez, foi Erak que deixou o silêncio se pro-longar. Ele deu de ombros levemente, como se o despra-zer de Morgarath não o interessasse. Por fim, o Senhor da Chuva e da Noite pegou as rédeas e as sacudiu, obrigando o cavalo a se virar, afastando-se da fogueira com selvage-ria.
— Espero ver você no Desfiladeiro dos Três Pas-sos, capitão — ele disse.
Então, como se tivesse pensado melhor, fez o ca-valo voltar.
— E, capitão, nem pense em desertar. Você vai lu-tar conosco até o fim.
— Eu já disse, senhor, vou honrar o acordo que fi-zemos.
Desta vez, Morgarath sorriu, apenas um movimen-to leve dos lábios no rosto branco e sem vida.
— Pois faça isso, capitão — ele disse devagar.
Em seguida, agitou as rédeas, seu cavalo se virou e começou a galopar. Os Wargals o seguiram e a cantoria recomeçou, enchendo a noite. Will percebeu que, atrás das pedras, ele tinha prendido a respiração por muito tempo. Soltou o ar dos pulmões e ouviu outro suspiro de alívio dos escandinavos.
— Meu Deus das Batalhas — Erak comentou. — Esse homem realmente me assusta.
— Parece que ele já morreu e foi para o inferno — Svengal disse. Erak andou em volta da fogueira e parou onde Will e Evanlyn ainda estavam agachados, atrás das rochas.
— Vocês ouviram isso? — ele perguntou, e Will fez que sim. Evanlyn continuou agachada, de rosto para baixo, atrás das pedras.
Erak a cutucou com a ponta do pé.
— E você, mocinha — ele disse. — Você também ouviu?
Evanlyn olhou para ele com lágrimas de terror marcando a poeira em seu rosto. Sem palavras, ela assen-tiu. Erak olhou na direção para onde Morgarath e seus Wargals tinham ido.
— Então se lembrem disso se estiverem planejando fugir — ele tornou. — Isso é tudo o que espera vocês se se afastarem de nós.

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