sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Capitulo 15 - Rangers Ordem dos Arqueiros VOL 2

Andando com cuidado, Will e Horace avançaram pela prancha estreita que cobria os últimos 15 metros da fenda. Will, com seu excelente preparo para enfrentar alturas, poderia ter corrido com facilidade sobre ela, sem proble-mas, mas caminhou devagar em consideração ao seu ami-go, maior e menos ágil.
Quando eles finalmente chegaram à estrada acaba-da, Horace soltou um suspiro de alívio. Em seguida, os dois examinaram a estrutura por alguns momentos. Ela tinha sido construída com a perfeição pela qual os celtas eram conhecidos. Como nação, tinham desenvolvido a arte de abrir túneis e pontes ao longo dos séculos, e aquela era uma típica estrutura resistente.
O cheiro das tábuas de pinho recém-serradas en-chia o ar frio da noite e, além disso, havia outro cheiro doce e aromático. Por um instante, eles olharam um para o outro confusos, mas logo Horace reconheceu o aroma.
— Piche — afirmou.
Eles olharam ao redor e constataram que os gros-sos cabos de corda e as cordas de apoio estavam cobertos
com uma grossa camada da substância. Will tocou um de-les e ficou com a mão grudenta.
— Acho que o piche não deixa as cordas apodre-cerem e arrebentarem — ele deduziu com cautela, perce-bendo que os cabos principais tinham sido construídos com três cordas grossas trançadas generosamente cobertas com piche. Além disso, à medida que o piche endurecia, ele unia as três cordas permanentemente.
— Nenhum guarda? — Horace indagou olhando ao redor. Havia uma nota de desapontamento em sua voz.
— Ou eles estão muito confiantes, ou são muito descuidados — Will concordou.
A noite já estava adiantada, mas a Lua ainda não tinha surgido. Will foi até a margem direita da fenda. Ho-race abriu o estojo da espada e o seguiu.
O vulto da entrada do túnel estava deitado do mesmo jeito que Will o tinha visto pela última vez. Não houve mais nenhum sinal de movimento. Os dois garotos se aproximaram dele com cuidado e se ajoelharam ao seu lado. Agora viam que se tratava de um mineiro celta. Seu peito subia e descia, mas mal se movia.
— Ele ainda está vivo — Will sussurrou.
— Está por um fio — Horace retrucou.
Ele colocou o dedo indicador no pescoço do celta para sentir o pulso. Ao toque, o homem abriu os olhos devagar e olhou para os dois sem entender o que estava acontecendo.
— Quem... vocês? — ele conseguiu gemer.
Will tirou o cantil do ombro e umedeceu os lábios do homem com um pouco de água. A língua se moveu avidamente na superfície úmida, e o homem gemeu outra vez, tentando se apoiar num cotovelo.
— Mais.
Delicadamente, Will fez que ele parasse de se mexer e lhe deu um pouco mais de água.
— Descanse tranquilo, amigo — ele disse baixinho. — Não vamos machucar você.
Era óbvio que alguém o tinha machucado, e muito. O rosto dele estava manchado de sangue seco que tinha escorrido de dezenas de cortes de chicote. Sua jaqueta de couro estava cortada e rasgada, e o peito nu mostrava si-nais de outras chicotadas, recentes e antigas.
— Quem é você? — Will perguntou com suavida-de.
— Glendyss — o homem suspirou parecendo se surpreender com o som do próprio nome.
Ele então tossiu. Uma tosse rouca e áspera que fez seu peito estremecer. Will e Horace trocaram olhares tris-tes. Perceberam que Glendyss não ia viver muito.
— Quando você veio para cá? — Will perguntou ao homem e deixou que mais água escorresse entre seus lábios secos e ressecados.
— Meses... — Glendyss respondeu numa voz que eles mal podiam ouvir. — Estou aqui há muitos meses... trabalhando no túnel.
Novamente, os dois garotos se entreolharam. Tal-vez o homem estivesse dizendo coisas sem sentido.
— Meses? — Will repetiu. — Mas os ataques dos Wargals só começaram há um mês, não é mesmo?
Mas Glendyss estava balançando a cabeça. Ele ten-tou falar, tossiu e se acalmou, juntando as forças que co-meçavam a sumir. Então falou tão baixinho que Will e Horace tiveram que se aproximar mais para ouvir.
— Eles nos capturaram há quase um ano... de to-dos os lugares. Secretamente... um homem aqui, dois ali... 50 no total. Hoje... a maioria está morta. Eu vou morrer logo.
Ele parou, respirando com dificuldade. O esforço para falar era quase insuportável para ele. Will e Horace olharam um para o outro atordoados com a nova infor-mação.
— Como ninguém percebeu que isso estava acon-tecendo? — Horace perguntou ao amigo. — Quer dizer, 50 pessoas desaparecem e ninguém fala nada?
— Ele disse que foram sequestradas de várias vilas em Céltica — Will retrucou. — Assim, quando se trata do desaparecimento de um ou dois homens... as pessoas po-dem ficar sabendo nas próprias vilas, mas ninguém sabe de tudo o que acontece nas outras.
— Mesmo assim — Horace continuou —, por que fazer isso? E por que agora estão fazendo tudo aberta-mente?
— Talvez a gente tenha uma ideia se dermos uma olhada por aí — Will respondeu encolhendo ombros.
Eles hesitaram indecisos, sem saber o que fazer com o vulto encolhido e ferido. Enquanto esperavam, a Lua nasceu e se elevou sobre as colinas, enchendo a ponte e a rampa com uma luz pálida e suave. Ela tocou o rosto de Glendyss e ele abriu os olhos. Fraco, tentou levantar o braço para evitar a luz e, gentilmente, Will se inclinou so-bre ele para protegê-lo.
— Estou morrendo — o mineiro disse com repen-tina clareza e um sentimento de paz.
Will hesitou e então concordou com simplicidade.
— Sim.
Não adiantaria mentir para ele, tentar alegrá-lo a-firmando que tudo ficaria bem. Ele estava morrendo, e todos sabiam disso. Seria melhor deixá-lo se preparar, deixá-lo enfrentar a morte com calma e dignidade. A mão se agarrou debilmente na manga de Will, e ele a segurou, apertando-a com delicadeza, deixando que o celta sentisse o contato com outra pessoa.
— Garotos — ele disse fracamente. — Não me deixem morrer aqui... na luz.
Novamente, Horace e Will trocaram olhares.
— Quero a paz fora da luz — ele continuou baixi-nho e, de repente, Will compreendeu.
— Acho que os celtas gostam da escuridão. Afinal, eles passam a maior parte da vida em túneis e minas. Tal-vez seja isso o que ele quer.
— Glendyss? — Horace chamou e se inclinou para a frente. — Você quer que a gente leve você para dentro do túnel?
O mineiro virou a cabeça na direção de Horace e assentiu levemente. Só o suficiente para que eles enten-dessem o gesto.
— Por favor — ele sussurrou — me levem para fora da luz.
Horace concordou com um gesto de cabeça e es-corregou os braços sob os ombros e joelhos do celta para levantá-lo. Glendyss era pequeno, e as semanas que tinha passado em cativeiro obviamente tinham sido uma época de fome. Ele era uma carga leve para Horace.
Quando o aprendiz de guerreiro ergueu o corpo do celta nos braços, Will fez sinal para que parasse. Ele per-cebeu que, assim que o homem estivesse na paz do túnel escuro, soltaria o tênue fio que o prendia à vida. E havia mais uma pergunta que Will precisava fazer.
— Glendyss — ele disse baixinho. — Quanto tempo nós temos?
Sem compreender, o mineiro olhou para ele can-sado. Will tentou outra vez.
— Quanto tempo temos antes que terminem a ponte?
Desta vez, ele viu um brilho de compreensão no olhar de Glendyss, e o celta pensou por alguns segundos.
— Cinco dias — ele respondeu. — Talvez quatro. Mais trabalhadores chegaram hoje... então, talvez quatro.
Em seguida, ele fechou os olhos como se o esforço tivesse sido excessivo. Por um segundo, parecia que o homem tinha morrido. Mas então o peito dele subiu num tremor intenso e ele continuou a respirar.
— Vamos levar ele para o túnel — Will disse.
Eles passaram com dificuldade pela abertura estrei-ta. Nos primeiros 10 metros, as paredes do túnel estavam próximas o suficiente para serem tocadas. Então começa-ram a se abrir, à medida que os resultados do trabalho dos celtas se tornavam evidentes. O lugar era escuro e aperta-do, iluminado apenas pelas fracas chamas das tochas ins-taladas em suportes a cada 10 ou 12 metros. Algumas proporcionavam apenas uma luz intermitente e incons-tante. Horace olhou ao redor inquieto. Ele não gostava de alturas e, definitivamente, não gostava de lugares fecha-dos.
— Aqui está a resposta — Will disse. — Morgarath precisava daqueles primeiros 50 mineiros para fazer este trabalho. Agora que o túnel está quase terminado, precisa de mais homens para construir a ponte o mais rápido pos-sível.
— Você tem razão — Horace concordou. — A abertura do túnel levaria meses, mas ninguém poderia ver o que estava acontecendo. Depois de começar a construir a ponte, o risco de ser descoberto seria muito maior.
No fundo do túnel, eles encontraram uma pequena área arenosa, quase uma gruta, num dos lados, e deitaram Glendyss nela. Will percebeu que aquilo devia ter sido o
que os dois celtas estavam tentando fazer pelo colega quando a corneta soou anunciando o fim do dia de traba-lho.
— Eu me pergunto o que os Wargals vão pensar quando encontrarem ele aqui, amanhã — ele hesitou.
— Talvez pensem que se arrastou até aqui sozinho — Horace sugeriu dando de ombros.
Will pensou nisso. Estava indeciso. Mas então ob-servou a expressão tranquila no rosto do mineiro que a-gonizava na luz fraca e não conseguiu tornar a levar o homem de volta para fora.
— Só coloque ele um pouco mais para dentro, o mais fora da vista possível — ele pediu.
Havia um pequeno cotovelo na rocha, e Horace colocou o mineiro atrás dele com delicadeza. Agora, só podia ser visto se alguém olhasse com atenção, e Will de-cidiu que estava bom demais. Horace voltou para o túnel principal, e Will percebeu que, agitado, o amigo ainda o-lhava em volta.
— O que vamos fazer agora? — Horace pergun-tou.
— Você pode esperar por mim aqui — Will res-pondeu, tomando uma decisão. — Eu vou ver até onde vai este túnel.
Horace não discutiu. O pensamento de entrar no fundo do túnel escuro e sinuoso não lhe agradava nem um pouco. Ele encontrou um lugar para se sentar, perto de uma das tochas mais brilhantes.
— Só prometa que vai voltar — ele pediu. — Não quero ter que ir procurar você.

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