sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Capitulo 14 - Rangers Ordem dos Arqueiros VOL 2

Seguir os Wargals foi mais fácil do que parecia. As cria-turas não eram inteligentes e se concentravam apenas na tarefa que tinham recebido: levar os mineiros celtas para o seu destino final. Eles não temiam nenhum ataque naquela região, pois já tinham expulsado todos os habitantes, de modo que não colocaram espiões para vigiar a retaguarda. Sua cantoria constante, por mais ameaçadora que pudesse parecer no início, também servia para mascarar quaisquer sons que pudessem ser feitos por seus perseguidores.
À noite, eles simplesmente acampavam onde quer que estivessem. Os mineiros continuavam acorrentados uns aos outros, e sentinelas os vigiavam enquanto o resto do grupo dormia.
No início do segundo dia, Will começou a ter no-ção do rumo que os Wargals estavam tomando. Ele vinha cavalgando uns 30 metros na dianteira, confiando que Puxão pressentiria qualquer perigo à sua frente. Agora ti-nha reduzido um pouco o ritmo, esperando que Horace e Evanlyn o alcançassem.
— Parece que estamos indo para a fenda — ele disse bastante surpreso.
Eles já podiam ver ao longe os penhascos altos que se erguiam acima da enorme fenda na terra. Céltica era um país montanhoso, mas o domínio de Morgarath se levan-tava centenas de metros acima dele
— Eu não gostaria de descer esses penhascos com cordas e escadas — Horace disse mostrando-os com um gesto de cabeça.
— Mesmo que você conseguisse, teria que encon-trar um local plano do outro lado — Will afirmou. — E, aparentemente, eles são muito poucos. A maioria dos pe-nhascos vai direto para o fundo.
— Mesmo assim, Morgarath conseguiu uma vez — Evanlyn disse olhando para os dois. — Talvez ele esteja planejando atacar Araluen do mesmo jeito.
Pensando no que ela tinha dito, Horace fez seu ca-valo parar. Will e Evanlyn pararam ao lado dele. O apren-diz de guerreiro mordeu o lábio por alguns segundos quando lembrou as lições que os instrutores de sir Rodney tinham ensinado.
— A situação é diferente — ele afirmou finalmente. — A investida contra Céltica foi mais um ataque-surpresa do que uma invasão. Ele certamente não precisou de mais do que 500 homens para isso, e eles tiveram uma viagem fácil. Para atacar Araluen, ele iria precisar de um exército e não conseguiria fazer os homens descerem esses penhas-
cos e atravessassem eles com algumas escadas e pontes de corda.
Will observou Horace com interesse. Aquele lado do amigo era novo para ele. Aparentemente, o aprendiza-do do amigo nos últimos sete ou oito meses tinha ido a-lém das simples habilidades com a espada.
— Mas certamente se ele tivesse tido tempo e... — Will começou, mas Horace balançou a cabeça outra vez, com mais determinação.
— Homens, sim, ou Wargals, neste caso. Com tempo suficiente, eles conseguiriam. Levaria meses, mas eles conseguiriam. Embora, quanto mais tempo levasse, maiores seriam as chances de que as notícias sobre os a-contecimentos se espalhassem. Mas um exército precisa de equipamento: armas pesadas, carroças de suprimentos, provisões, barracas, armas extras, equipamentos de ferrei-ro para reparos, cavalos e bois para puxar as carroças. Se-ria impossível descer tudo isso nesses penhascos. E, mesmo que conseguissem, como iriam atravessar para o outro lado? Simplesmente não é viável. Sir Karel costu-mava dizer que...
Ele percebeu que os outros dois o estavam obser-vando com certo respeito e corou.
— Não tinha intenção de falar sem parar — ele murmurou e fez o cavalo andar novamente.
Will estava impressionado com a compreensão do amigo sobre o assunto.
— Não foi problema nenhum — ele disse. — Tu-do o que você falou está certo.
— Ainda resta a pergunta: o que ele pretende? — Evanlyn ajuntou.
— Acho que nós vamos descobrir bem depressa — ele disse impelindo Puxão para a frente para assumir a li-derança mais uma vez.
Eles descobriram na noite seguinte.
Como antes, o primeiro indício do que estava a-contecendo veio através de um som: o retinir e bater de martelos atingindo pedras ou madeira. Então eles ouviram um som mais agudo à medida que se aproximavam. Era um estalido constante, mas irregular. Will fez sinal para os outros pararem e, desmontando, avançou com cuidado ao longo da estrada até a curva final.
Encoberto pela capa e se movendo cuidadosamente de um esconderijo para outro, ele se afastou da estrada e atravessou o campo até encontrar um ponto de onde pu-desse ver o próximo trecho da estrada. Quase imediata-mente, viu o alto de uma imensa estrutura de madeira em construção: quatro torres de madeira unidas por grossas cordas e uma estrutura de troncos. Com o coração aper-tado, Will já sabia o que estava vendo. Mas ele se aproxi-mou para ter certeza.
Era como temia. Uma imensa ponte de madeira es-tava no estágio final de construção. No lado extremo da fenda, Morgarath tinha descoberto um dos poucos lugares onde havia uma saliência estreita quase no mesmo nível do lado celta. A saliência natural tinha sido cavada e alar-gada até que houvesse um trecho de chão plano e de bom tamanho. As quatro torres estavam em pé, duas de cada lado da fenda, unidas por grossos cabos feitos de corda. Apoiado por elas, havia um caminho de madeira constru-ído até metade, capaz de levar seis homens para o outro lado sobre as estonteantes profundezas da fenda.
Vultos reconhecíveis como prisioneiros celtas fer-vilhavam sobre a estrutura, martelando e serrando. O esta-lido era provocado pelos chicotes usados pelos vigias Wargals.
O som dos martelos sobre a pedra vinha da boca de um túnel que se abria para a saliência, cerca de uns 50 metros ao sul da ponte. O túnel era pouco mais que uma fenda na parede do penhasco — apenas um pouco mais larga que os ombros de um homem. Os prisioneiros celtas trabalhavam arduamente na entrada, golpeando a pedra dura, alargando e aumentado a pequena abertura.
Will olhou para os penhascos escuros que se er-guiam do outro lado. Não havia sinal de cordas ou escadas que levassem para a saliência. Os Wargals e seus prisio-neiros certamente a alcançavam pela fenda estreita na ro-cha.
O grupo que tinham seguido estava cruzando a fenda naquele momento. Os últimos 15 metros da estrada ainda precisavam ser construídos, e apenas uma passarela provisória de madeira estava em seu lugar, Ela mal era larga o bastante para que os celtas fizessem a travessia a-correntados aos pares como estavam, mas os mineiros de Céltica estavam acostumados a andar em lugares estra-nhos e descidas vertiginosas, por isso não houve inciden-tes.
Will tinha visto o bastante. Era hora de voltar. Es-condido pelas rochas, ele andou de costas com dificulda-de. Então, quase se dobrando em dois, correu de volta para onde os dois companheiros o esperavam.
Quando lá chegou, ele se deixou cair, recostando-se nas pedras. A tensão dos últimos dois dias estava come-çando a surtir efeito, juntamente com a pressão de estar no comando. Ele ficou um pouco surpreso ao perceber que estava fisicamente exausto, pois não tinha ideia de que a tensão mental pudesse esgotar uma pessoa tão intensa-mente.
— Então, o que está acontecendo? Você viu algu-ma coisa? — Horace quis saber.
Cansado, Will olhou para ele.
— Uma ponte — contou. — Eles estão constru-indo uma ponte enorme.
Espantado com aquilo, Horace ficou sério.
— Por que Morgarath iria querer uma ponte?
— Eu disse que é uma ponte enorme. Grande o bastante para fazer atravessar um exército. Nós discutimos que Morgarath não poderia passar um exército e todo o equipamento pelos penhascos e para o outro lado da fen-da e, durante todo esse tempo, ele estava construindo uma ponte para isso.
— É por isso que ele queria os celtas — Evanlyn constatou. Os dois garotos a olharam, e ela continuou.
— Eles são exímios construtores e sabem como fazer túneis. Os Wargals não teriam a capacidade de reali-zar um empreendimento desses.
— Eles também estão abrindo um túnel — Will informou. — No outro extremo, estão alargando uma pequena fenda parecida com a entrada de uma caverna.
— Para onde leva? — Horace perguntou, e Will deu de ombros.
— Não sei. Talvez seja importante descobrir. Afi-nal, o planalto do outro lado ainda está centenas de me-tros acima deste ponto. Mas deve haver algum acesso en-tre os dois, pois não há sinal de cordas ou escadas.
Horace se levantou e começou a andar de um lado para outro, analisando essa nova informação. Seu rosto estava sério e pensativo.
— Não entendo — ele disse finalmente.
— Não é tão difícil de entender — Will retrucou com alguma aspereza. — Há uma ponte imensa sendo construída sobre a fenda, grande o bastante para que Morgarath, e todos os seus Wargals, e suas carroças de
suprimentos, e seus ferreiros, e seus bois passem dançan-do.
Horace esperou que Will terminasse seu discurso e então inclinou a cabeça para o lado.
— Terminou? — ele disse com suavidade, e Will, percebendo que tinha exagerado um pouco, fez um vago gesto de desculpas. Horace continuou.
— O que eu não entendo — ele disse pronuncian-do as palavras com cuidado — é por que isso nunca foi mencionado naqueles planos que vocês acharam.
— Planos? — Evanlyn perguntou olhando para e-les curiosa. — Que planos?
Mas Will, percebendo que Horace tinha tocado num ponto muito importante, fez um gesto para que ela esperasse a explicação.
— Você tem razão — ele disse devagar. — Os planos nunca mencionaram uma ponte sobre a fenda.
— E não se trata de uma obra pequena. É de se imaginar que isso seria mencionado em algum lugar — Horace afirmou.
Will assentiu. Evanlyn, muito mais curiosa do que antes, repetiu a pergunta.
— Que planos são esses de que vocês falam tanto?
Percebendo o quanto a conversa dos dois devia ser frustrante para ela, Horace ficou com pena da garota.
— Will e Halt, o mestre de ofício dele, pegaram uma cópia dos planos de batalha de Morgarath há algumas semanas. Havia muitos detalhes sobre como suas forças
iam sair das Montanhas através do Desfiladeiro dos Três Passos. Havia até a data em que iam fazer isso e como os mercenários escandinavos iam ajudar eles. Só que não fa-lava dessa ponte.
— Por que não? — Evanlyn perguntou.
Mas Will estava começando a entender o que Mor-garath tinha em mente, e seu pavor cresceu ainda mais.
— A menos que Morgarath quisesse que achásse-mos esses planos — ele disse.
— Isso é loucura — Horace disse no mesmo ins-tante. — Afinal, um de seus homens morreu na operação.
— E isso iria impedir Morgarath? — Will retrucou olhando para o amigo. — Ele não se importa com a vida de outras pessoas. Vamos pensar. Halt tem um ditado: Quando não se vê o motivo de alguma coisa, veja qual é o possível resultado e se pergunte quem pode se beneficiar dele.
— E qual foi o resultado de você encontrar esses planos? — Evanlyn questionou.
— O rei Duncan deslocou o exército para as Planí-cies de Uthal para bloquear o Desfiladeiro dos Três Pas-sos — Horace respondeu prontamente.
Evanlyn assentiu e passou para a segunda parte da equação.
— E quem iria se beneficiar disso?
Will olhou para ela. Ele notou que a garota tinha chegado à mesma conclusão que ele.
— Morgarath. Se aqueles planos eram falsos... — ele disse muito devagar.
Evanlyn concordou. Horace não entendeu a con-clusão com a mesma rapidez.
— Falsos? O que você quer dizer?
— Quero dizer que Morgarath queria que achás-semos aqueles planos. Ele queria que todo o exército de Araluen se reunisse nas Planícies de Uthal. Porque o Des-filadeiro dos Três Passos não é o lugar em que o verda-deiro ataque vai acontecer. O ataque real vai vir daqui: um ataque-surpresa pelas costas. E nosso exército vai ser en-curralado e destruído.
Horace arregalou os olhos horrorizado. Ele conse-guia imaginar o resultado de um ataque maciço pela reta-guarda. O exército de Araluen seria pego por escandina-vos e Wargals pela frente e por outro exército de Wargals pela retaguarda. Era a receita do desastre: o tipo de desas-tre que todos os generais temiam.
— Então precisamos contar isso a eles — ele disse. — Agora mesmo!
— Temos que contar isso a eles — Will concordou. — Mas tem mais uma coisa que quero ver. Aquele túnel que estão cavando. Não sabemos se está terminado e para onde vai. Quero dar uma olhada nele hoje à noite.
Mas Horace discordou do amigo antes mesmo de este terminar de falar.
— Will, nós temos que ir agora. Não podemos ficar aqui só para satisfazer sua curiosidade.
— Você está certo, Horace — Evanlyn disse e pôs fim à discussão. — O rei precisa saber disso o mais rápido possível. Mas temos que ter certeza de não levar outra in-formação errada para ele. Podem faltar semanas para que o túnel de que Will está falando esteja terminado. Ou ele pode levar para um beco sem saída. Toda essa coisa pode ser outro estratagema para convencer o exército a dividir forças para proteger a retaguarda. Temos que descobrir o máximo que pudermos. Se isso significa esperar mais al-gumas horas, então acho que devemos ficar.
Will olhou para a garota com curiosidade. Ela cer-tamente parecia ter mais autoridade e decisão do que se esperaria da criada de uma dama. Ele decidiu que a teoria de Gilan estava correta.
— Vai escurecer dentro de uma hora, Horace. Va-mos fazer a travessia hoje à noite e ver as coisas de perto.
Horace olhou para os dois companheiros. Não es-tava satisfeito. Seu instinto o mandava partir naquele mo-mento, o mais rápido possível, e contar as notícias sobre a ponte. Mas ele estava em minoria. E ainda acreditava que os poderes de dedução de Will eram melhores que os dele. “Sou treinado para agir, não para esse tipo de raciocínio tortuoso”, pensou. E, com relutância, ele se deixou con-vencer.
— Tudo bem — disse. — Vamos dar uma olhada em tudo à noite. Mas amanhã nós partimos.
Enrolado na capa e se movendo com cuidado, Will voltou ao seu ponto de observação. Analisou a ponte com
atenção, imaginando que Halt esperaria que ele desenhas-se uma planta precisa da estrutura.
Pouco mais de dez minutos depois, Will ouviu o som forte de uma corneta.
O susto o paralisou. Por um momento, pensou que era um alarme e que uma sentinela o tinha visto se mover entre as rochas. Então ouviu outras chicotadas e os gritos roucos dos Wargals e, quando levantou a cabeça, viu que eles estavam tirando os celtas do túnel e levando-os para a ponte semi-acabada. Enquanto andavam, os prisioneiros guardavam as ferramentas em sacos. Os Wargals começa-ram a prendê-los a uma corda central.
Ao olhar para o oeste, Will viu a última curva do sol se escondendo atrás das colinas e se deu conta de que a cometa simplesmente tinha anunciado o fim de um dia de trabalho. Agora os prisioneiros estavam sendo devol-vidos para o lugar onde ficavam presos.
Houve uma breve discussão, a alguns metros da entrada do túnel, quando dois prisioneiros celtas pararam para tentar levantar uma figura caída. Zangados, os War-gals saltaram para a frente, afastando os mineiros com chicotadas e obrigando-os a deixar a figura imóvel onde estava
Então, um depois do outro, passaram pela entrada estreita do túnel e desapareceram.
As sombras da enorme ponte se estendiam com-pridas sobre as colinas. Will continuou imóvel por outros dez minutos, esperando para ver se algum Wargal iria rea-
parecer no túnel. Mas não houve nenhum barulho, ne-nhum sinal de ninguém voltando. Somente o vulto imóvel deitado na entrada do túnel. Na luz que desaparecia rapi-damente, Will não conseguia enxergá-lo claramente. Pare-cia ser o corpo de um mineiro, mas ele não tinha certeza.
Então a figura se moveu, e Will percebeu que, quem quer que fosse, ainda estava vivo.

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