sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Capitulo 10 - Rangers Ordem dos Arqueiros VOL 2

Na manhã seguinte, eles se viram diante de um proble-ma: o que fazer com Bart e Carney.
Amarrados de costas um para o outro e obrigados a ficar sentados eretos no chão pedregoso, os dois bandidos tinham passado uma noite extremamente desconfortável. A cada troca de turno, Gilan afrouxava as cordas por al-guns minutos para que seus músculos pudessem relaxar um pouco e até cedeu e lhes deu um pouco de água e co-mida. Mas mesmo assim a experiência foi muito desagra-dável e ficou ainda pior porque não tinham ideia do que Gilan planejava fazer com eles pela manhã.
E, verdade seja dita, Gilan também não. Ele não tinha vontade de levá-los como prisioneiros. Eles só ti-nham quatro cavalos, se contassem o animal que vinha carregando seus equipamentos para acampar e que agora teria que levar também Evanlyn. Ele era da opinião de que a notícia sobre a invasão atordoante de Morgarath em Céltica deveria ser levada de volta para o rei Duncan o mais rápido possível e arrastar dois prisioneiros com eles a pé iria atrasá-los muito. Além disso, já estava pensando
em partir a toda a velocidade e deixar que os outros três o seguissem em seu próprio ritmo. Ele sabia que o desajei-tado pônei de carga nunca conseguiria acompanhar o ve-loz Blaze.
Assim, diante desses dois problemas, ficou sério enquanto se alimentava pela manhã, permitindo-se o luxo de uma segunda xícara de café de seu reduzido estoque. Ele ponderou que, se fosse na frente, seria o ultimo café que tomaria por alguns dias. Depois de algum tempo, le-vantou a cabeça, encontrou o olhar de Will e chamou o garoto para perto de si.
— Estou pensando em ir na frente — ele disse em voz baixa. No mesmo momento, ele viu o olhar assustado de Will.
— Você quer dizer sozinho? — Will perguntou, e Gilan assentiu.
— Essas notícias são vitais, Will, e preciso levar e-las para o rei Duncan o mais depressa possível. E, além do mais, isso significa que não vai haver reforços vindos de Céltica. Ele precisa saber disso.
— Mas... — Will hesitou.
Ele olhou ao redor do pequeno acampamento co-mo se procurasse algum argumento para rebater a ideia de Gilan. A presença do alto arqueiro era reconfortante. Como Halt, ele sempre parecia saber qual a coisa certa a fazer. A ideia de que estava planejando deixá-los criava uma sensação próxima do pânico na mente de Will. Gilan
reconheceu a insegurança que tomava conta do garoto. Ele se levantou e colocou a mão em seu ombro.
— Vamos andar um pouco — ele convidou e co-meçou a se afastar do local do acampamento.
Blaze e Puxão olharam para eles curiosos quando os dois passaram e, ao perceber que não eram necessários, voltaram a pastar a vegetação rara.
— Sei que você está preocupado com o que acon-teceu com aqueles quatro Wargals — Gilan disse.
Will parou de andar e olhou para ele.
— Halt contou para você? — ele indagou um tanto constrangido. Ele se perguntou o que Halt teria dito sobre seu comportamento.
Gilan assentiu sério.
— Claro que ele me contou. Will, você não tem nada do que se envergonhar, acredite.
— Mas, Gil, eu entrei em pânico. Esqueci todo o meu treinamento e...
Gilan levantou a mão para interromper a torrente de autorrecriminação que sentiu que ia começar.
— Halt disse que você se manteve firme — Gilan afirmou com determinação.
Will se mexeu inquieto.
— Bom... acho que sim. Mas...
— Você sentiu medo, mas não fugiu, e isso não é covardia. É coragem. Essa é a maior forma de coragem que existe. Você não sentiu medo quando matou o Kal-kara?
— Claro — Will admitiu. — Mas aquilo foi dife-rente. Ele estava a 40 metros de distância e estava atacan-do sir Rodney.
— E o Wargal estava a 10 metros, correndo dire-tamente na sua direção. Grande diferença — Gilan ter-minou para ele.
— Foi Puxão que me salvou — Will falou ainda não convencido. Gilan se permitiu dar um sorriso.
— Talvez ele tenha pensado que valia a pena salvar você. É um cavalo esperto. E, embora Halt e eu não te-nhamos a metade da esperteza de Puxão, achamos que você tem muito valor.
— Bom, tenho duvidado disso — Will retrucou.
Mas, pela primeira vez em algumas semanas, ele sentiu sua confiança aumentar um pouco.
— Pois não faça isso! — Gilan disse com vigor. — Insegurança é uma doença. E se ela foge ao controle toma conta de você. Aprenda com o que aconteceu com aque-les Wargals. Use a experiência para ficar mais forte.
Will pensou nas palavras de Gilan por alguns se-gundos. Em seguida, respirou fundo e endireitou os om-bros.
— Está certo — ele disse. — O que quer que eu faça?
Gilan o observou por um momento. Havia uma nova determinação na atitude do garoto.
— Vou deixar você no comando — ele disse. — Não há mais motivo para continuar com a missão, então
você deve me seguir até Araluen o mais depressa que pu-der.
— Até Redmont? — Will perguntou, e Gilan as-sentiu com um gesto.
— Nesse momento, o exército deve estar a cami-nho das Planícies de Uthal. É para lá que eu vou e é lá que Halt vai estar. Vamos dar uma olhada no mapa antes de eu partir e planejar o melhor caminho para você.
— E a garota? — Will perguntou. — Ela vai co-nosco ou devo deixar ela em algum lugar seguro depois que voltarmos para Araluen?
— Leve ela com você — Gilan sugeriu depois de pensar um pouco. — Talvez o rei e os conselheiros quei-ram interrogar ela um pouco mais. Ela vai estar no meio do exército de Araluen, portanto tão segura quanto em qualquer outro lugar.
Ele hesitou e então decidiu contar suas dúvidas pa-ra Will.
— Tem alguma coisa estranha sobre ela, Will — ele começou.
— Você acha que a história dela não está certa? — Will interrompeu.
— Ela hesita e para como se tivesse medo de con-tar alguma coisa para nós — outro pensamento lhe veio à mente, e ele baixou a voz instintivamente, apesar de não poderem ser ouvidos do acampamento.
— Você não acha que ela é uma espiã, acha?
— Nada tão dramático — Gilan respondeu. — Mas você lembra quando ela disse que nos viu e pensou que graças a Deus nós éramos arqueiros? Pessoas comuns não pensam desse jeito sobre nós. Somente os nobres fi-cam à vontade perto de arqueiros.
— Então você acha... — Will indagou sério.
Ele hesitou, pois não sabia o que Gilan pensava.
— Acho que ela pode ser a dama e ter assumido a identidade da criada.
— Então, por um lado, ela fica satisfeita ao encon-trar arqueiros, mas não confia o bastante em nós para nos dizer a verdade? Isso não faz sentido, Gil! — Will argu-mentou.
— Talvez não seja falta de confiança em nós — Gilan tornou dando de ombros. — Talvez ela tenha ou-tros motivos para não contar quem realmente é. Não acho que isso seja um problema para você, apenas fique atento.
Eles se viraram e começaram a voltar para o acam-pamento.
— Não gosto de deixar você em apuros — Gilan disse. — Mas você não está exatamente desarmado. Tem seu arco e as facas e, claro, Horace está com você.
Will olhou para o musculoso aprendiz, que estava contando uma piada para Evanlyn. Quando ela atirou a cabeça para trás e riu, ele sentiu uma pontada de ciúme. Mas então se deu conta de que devia estar satisfeito por ter Horace em sua companhia.
— Ele não se saiu nada mal com aquela espada, não é mesmo? — Will comentou.
Gilan balançou a cabeça admirado.
— Eu nunca contaria isso para ele, pois não faz bem para um espadachim ter uma opinião exagerada so-bre si mesmo, mas ele é muito melhor do que isso.
Ele olhou para Will.
— Isso não quer dizer que vocês devam procurar problemas. Ainda pode haver Wargals daqui até a frontei-ra, portanto viajem à noite e se escondam nas pedras du-rante o dia.
— Gil — Will chamou quando um pensamento es-tranho lhe veio à mente —, o que vamos fazer com esses dois?
Ele ergueu o polegar na direção dos dois bandidos, ainda amarrados juntos de costas, ainda tentando cochilar e ainda sacudindo um ao outro sempre que um deles pe-gava no sono.
— Essa é a questão, não é? — disse o arqueiro. — Acho que eu poderia enforcar eles. Tenho autoridade para isso. Afinal, tentaram interferir no trabalho de oficiais do rei. E estão roubando em tempo de guerra. São dois cri-mes capitais.
Ele deu uma olhada nas colinas pedregosas que os cercavam.
— A questão é se realmente posso fazer isso aqui — murmurou.
— Você quer dizer — Will disse sem gostar do que o amigo estava pensando — que talvez não tenha autori-dade para enforcar eles porque não estamos no nosso reino?
— Não tinha pensado nisso — Gilan respondeu e riu. — Eu estava mesmo pensando que seria um pouco difícil fazer isso num lugar onde não há árvores com mais de 1 metro de altura num raio de 100 quilômetros.
Will soltou um pequeno suspiro interior de alívio quando percebeu que Gilan não falava sério.
— Mas eu sei que não queremos que eles sigam você outra vez — Gilan disse em tom de aviso, já sem sorrir. — Portanto, não mencione meus planos até que a gente se livre deles, está bem?
No fim, a solução foi simples. Primeiro, Gilan fez que Horace quebrasse a lâmina da espada de Carney tor-cendo-a entre duas rochas. Depois, jogou o porrete de Bart no barranco ao lado da estrada. Eles ouviram quando ele caiu, batendo e pulando no declive rochoso por vários segundos.
Feito isso, Gilan obrigou os dois homens a ficarem somente com as roupas de baixo.
— Você não precisa ver isso — ele tinha dito a Evanlyn. — Não vai ser um espetáculo bonito.
Sorrindo para si mesma, a garota entrou na barraca enquanto os dois homens se despiam. Os bandidos fica-ram apenas com as cuecas rasgadas, tremendo no ar frio da montanha.
— As botas também — Gilan ordenou, e os dois homens se sentaram desajeitados no chão pedregoso para tirá-las.
Gilan cutucou a pilha de roupas com o pé.
— Agora, formem uma trouxa e a amarrem com seus cintos — ele mandou, e Bart e Carney obedeceram.
Quando estava tudo pronto, ele chamou Horace e apontou com o polegar duas trouxas de roupas e as botas.
— Jogue onde nós jogamos o porrete, Horace — ele ordenou.
Horace sorriu quando começou a entender o que Gilan tinha planejado. Bart e Carney também entenderam e começaram um coro de protestos que parou no mo-mento em que o arqueiro lhes lançou um olhar gelado.
— Vocês estão com sorte — ele disse com frieza. — Como falei para Will mais cedo, eu podia enforcar vo-cês se quisesse.
Bart e Carney se calaram no mesmo instante, e en-tão Gilan fez um gesto para que Horace os amarrasse ou-tra vez. Docemente, eles se submeteram à ação do apren-diz e em poucos minutos estavam de costas um para o outro novamente, tremendo no vento frio que circulava e mergulhava ao redor das colinas. Gilan olhou para eles por alguns instantes.
— Jogue um cobertor em cima deles — disse com relutância. — Um cobertor dos cavalos.
Will obedeceu sorrindo. Ele cuidou para não usar o cobertor de Puxão e pegou um que pertencia ao forte pô-nei de carga.
Gilan começou a selar Blaze enquanto falava com os companheiros.
— Eu vou investigar a região em volta de Gwynta-leth. Talvez haja alguém lá que possa esclarecer melhor o que Morgarath pretende fazer.
Ele olhou significativamente para Will. O aprendiz percebeu que o arqueiro estava dizendo isso para despistar os dois bandidos e assentiu de leve.
— Devo estar de volta no fim da tarde — Gilan continuou em voz alta. — E gostaria de comer alguma coisa quente quando chegar.
Ele saltou na sela e fez sinal para que Will se apro-ximasse.
— Deixe esses dois amarrados e parta quando o sol se puser. Eles vão acabar se soltando, mas então vão ter que procurar as botas e as roupas. Não vão a lugar ne-nhum sem elas. Isso vai lhe dar um dia de dianteira, e você vai se livrar deles — sussurrou.
— Entendi. Faça uma boa viagem, Gilan — Will desejou.
O arqueiro assentiu com a cabeça. Ele pareceu he-sitar um instante e então tomou uma decisão.
— Will, estamos em tempos incertos e nenhum de nós sabe o que nos espera no futuro. Pode ser uma boa ideia contar a Horace a senha para montar Puxão.
Will franziu a testa. A senha era um segredo cuida-dosamente guardado, e ele relutava em passá-la para outra pessoa, mesmo um camarada confiável como Horace.
— Nunca se sabe o que pode acontecer — Gilan continuou ao perceber a hesitação do garoto. — Você pode se ferir ou ficar incapacitado e, sem a senha, Puxão não vai obedecer Horace. É só uma precaução — ele a-crescentou.
Will compreendeu que a ideia era sensata e con-cordou.
— Vou dizer a ele hoje à noite. Se cuide, Gilan.
O arqueiro alto se inclinou e deu um forte aperto de mão em Will.
— Outra coisa. Você está no comando, e os outros vão ter que fazer o que determinar. Não mostre nenhum sinal de que está inseguro. Acredite em si mesmo e eles também vão acreditar em você.
Ele cutucou Blaze com o joelho, e o cavalo baio se virou na direção da estrada. Gilan levantou a mão num gesto de despedida para Horace e Evanlyn e se afastou a galope. A poeira levantada por sua passagem foi logo dis-persada pelo vento forte.
E então Will se sentiu muito pequeno. E muito só.

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