quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Capitulo 9 - Rangers Ordem dos Arqueiros VOL 1


Horace soltou a mochila no chão do dormitório e se jogou na cama, gemendo aliviado.
Todos os músculos de seu corpo doíam. O garoto não tinha ideia de que podia se sentir tão dolorido, tão esgotado, e de que existiam tantos músculos que podiam ficar daquele jeito. Ele se perguntou, não pela primeira vez, se conseguiria atravessar os três anos de treinamento da Escola de Guerra. Era cadete há menos de uma semana e já estava se sentindo um trapo.
Quando se candidatou para a Escola de Guerra, Horace tinha uma imagem vaga de cavaleiros de armaduras brilhantes lutando, enquanto pessoas comuns olhavam admiradas. Várias dessas pessoas eram garotas bonitas; Jenny, sua companheira no prédio dos protegidos, se destacava entre elas. Para ele, a Escola de Guerra era um lugar de aventuras e magia, e os cadetes que dela participavam eram pessoas que os outros respeitavam e invejavam.
A realidade era bem diferente. Até aquele momento, os cadetes da Escola de Guerra se levantavam antes do amanhecer e passavam uma hora antes do café-da-manhã fazendo uma série de exercícios físicos: corriam, levantavam peso, carregavam enormes troncos em grupos de dez. Exaustos depois de tudo isso, voltavam ao alojamento, onde tomavam um banho rápido com água fria antes de deixar os dormitórios e os banheiros totalmente limpos. Uma inspeção cuidadosa era feita depois disso. Sir Karel, o velho e esperto cavaleiro que a realizava, conhecia todos os truques para fazer uma limpeza malfeita, arrumar mal as camas e guardar roupas sem cuidado. O menor erro por parte de um dos 20 meninos do dormitório fazia que todas as roupas fossem espalhadas, as camas fossem desfeitas e o lixo fosse jogado no chão, eles então tinham que fazer tudo de novo no tempo em que deveriam estar tomando café.
Como resultado, os novos cadetes tentavam enganar sir Karel apenas uma vez. O café-da-manhã não era nada especial. Na verdade, na opinião de Horace, era o mínimo que se podia esperar, mas a sua falta significava uma longa manhã até a hora do almoço, que, de acordo com a vida simples na Escola de Guerra, durava somente vinte minutos.
Depois do café, havia aulas de duas horas sobre história militar, teoria de táticas, e assim por diante, e então os cadetes participavam de uma corrida de obstáculos: uma série de barreiras criadas para testar velocidade, agilidade, equilíbrio e força. O percurso deveria ser completado em menos de cinco minutos, e os cadetes que não conseguiam tinham que recomeçar imediatamente. Era difícil alguém conseguir completar o percurso sem cair pelo menos uma vez. O caminho estava repleto de poças de lama, perigos e fossos cheios um líquido irreconhecível e desagradável que Horace não queria saber de onde vinha.
O almoço vinha depois da corrida de obstáculos, mas se alguém tinha caído durante a atividade precisava se lavar antes de entrar no refeitório, o que significava outro banho frio e gastar metade do tempo destinado para a refeição. Como resultado, as impressões fortes de Horace sobre a primeira semana na Escola de Guerra combinavam músculos doloridos com fome torturante.
Depois do almoço, havia mais aulas e exercícios físicos no pátio do castelo sob a vigilância de um dos cadetes mais velhos. Depois, a classe formava fila e realizava exercícios em grupo até o fim do dia, quando tinha duas horas livres para limpar e consertar o equipamento e preparar lições para as aulas do dia seguinte.
Isso, é claro, se ninguém tinha causado problemas durante o dia ou irritado algum instrutor. Nesse caso, todos eram convidados a encher as mochilas com pedras e partir numa caminhada de 12 quilômetros numa trilha no campo. Essas caminhadas nunca eram realizadas em estradas planas próximas, mas em terrenos acidentados, morros e riachos, trechos fechados por arbustos espinhentos que dificultavam a passagem.
Horace tinha acabado de completar uma dessas caminhadas. No começo daquele dia, um dos colegas tinha sido visto passando um bilhete na aula de tática. Infelizmente, a nota era uma caricatura desrespeitosa do instrutor de nariz comprido. Infelizmente também, o garoto era um desenhista habilidoso e o retrato foi reconhecido imediatamente.
Como resultado, Horace e a classe tinham sido convidados a encher as mochilas e começar a correr. Lentamente, ele começou a se afastar dos outros garotos enquanto eles subiam a primeira colina com esforço. Depois de alguns dias, o regime rígido da Escola de Guerra estava começando a mostrar resultados em Horace. Além de suas habilidades naturais de atleta, seu preparo físico estava melhor do que nunca. Apesar de não perceber, ele corria com equilíbrio e elegância em ocasiões em que os outros mostravam dificuldades. Pouco tempo depois, Horace já estava bem adiantado e continuava a subir de cabeça erguida, respirando tranquilamente. Até aquele momento não havia tido muitas chances de conhecer os colegas. Ele os tinha visto pelo castelo ou na vila nos anos passados, mas crescer no prédio dos protegidos o havia isolado da vida diária normal do castelo e da vila. As crianças da ala dos protegidos sentiam-se diferentes das outras, e os meninos e meninas que ainda tinham seus pais pensavam da mesma forma.
A cerimônia da Escolha acontecia somente para os protegidos. Horace era um dos 20 novos recrutas daquele ano, e os demais tinham sido escolhidos pelo processo normal, isto é, influência dos pais, apoio ou recomendação de professores. Como resultado, ele era considerado uma curiosidade, e os outros meninos não tinham dado sinais de amizade nem feito nenhuma tentativa de conhecê-lo.
“Mesmo assim”, ele pensou sorrindo com uma satisfação um pouco triste, “venci todos na corrida”. Nenhum dos outros tinha voltado ainda. Tinha mesmo superado todos eles.
A porta no fim do dormitório se abriu com violência e botas pesadas fizeram barulho no piso de madeira. Horace apoiou o corpo num cotovelo e gemeu em silêncio.
Bryn, Alda e Jerome marcharam em sua direção entre as fileiras de camas arrumadas com perfeição. Eles eram cadetes do 2° ano e pareciam ter decidido que sua principal função na vida era atormentar Horace. Depressa, ele girou as pernas para um dos lados da cama e se levantou, mas não foi rápido o bastante.
— O que você está fazendo deitado na cama? — Alda gritou. — Quem disse que é hora de dormir?
Bryn e Jerome sorriram, pois gostavam do jeito de falar do colega. Eles não tinham muita imaginação, mas compensavam a falta de criatividade com uma grande confiança na sua força física.
— Vinte flexões! — Bryn ordenou. — Agora!
Horace hesitou um momento. Ele era bem maior do que qualquer um dos garotos. Se houvesse um confronto, tinha certeza de que poderia vencê-los. Mas eles eram três e, além disso, tinham a autoridade da tradição que os apoiava. Até onde sabia, tratar os cadetes do 1° ano dessa forma era prática normal, e ele podia imaginar a zombaria dos colegas se reclamasse para algum superior.
“Ninguém gosta de chorões”, disse a si mesmo enquanto se abaixava. Mas Bryn percebeu a hesitação e talvez até um brilho passageiro de revolta em seu olhar.
— Trinta flexões! — ele disparou. — Já!
Com os músculos doloridos, Horace se esticou no chão e começou os exercícios. Imediatamente, sentiu um pé nas costas empurrando-o para baixo quando tentava se erguer.
— Vamos, nenê! — Jerome zombou. — Um pouco mais de força!
Horace conseguiu levantar o corpo, pois Jerome sabia como manter exatamente a quantidade de pressão ideal. Um pouco mais de força, e Horace nunca seria capaz de completar o exercício. Mas o cadete do 2° ano também o empurrou para baixo quando Horace ia reiniciar, o que tornou o exercício ainda mais difícil. Ele teve que fazer força para o alto ao mesmo tempo em que abaixava o corpo, pois do contrário seria jogado no chão. Gemendo, terminou a primeira flexão e começou outra.
— Pare de chorar, bebê! — Alda gritou para ele antes de se aproximar da cama de Horace. — Você fez a cama hoje? — ele gritou.
Horace, lutando contra a pressão do pé de Jerome, só conseguiu grunhir uma resposta.
— O quê? O quê? — Alda se abaixou e aproximou o rosto de Horace.
— O que você disse, bebê? Fale mais alto!
— Sim... senhor! — Horace conseguiu sussurrar.
Alda balançou a cabeça de um jeito exagerado.
— Acho que a resposta é “não, senhor” — ele disse, levantando-se. — Olhe só essa cama! Está uma porcaria!
É claro que as cobertas estavam um pouco amassadas onde Horace tinha se deitado, mas ele poderia arrumá-la num instante. Sorrindo, Bryn resolveu deixar o plano de Alda mais interessante. Ele se aproximou e chutou a cama para o lado, derrubando o colchão, os cobertores e o travesseiro no chão. Alda ajudou, chutando as cobertas pelo quarto.
— Faça a cama de novo! — ele gritou.
Nesse momento, surgiu um brilho em seus olhos. Ele se virou para a cama seguinte, chutou-a também e espalhou o colchão e os lençóis como tinha feito com a de Horace.
— Faça tudo de novo! — ele berrou satisfeito com sua ideia. Bryn se juntou a ele, rindo enquanto os dois reviravam as 20 camas e espalhavam cobertores e travesseiros pelo quarto. Horace, ainda lutando para fazer as 30 flexões, fechou os dentes com força enquanto o suor escorria para os seus olhos, fazendo-os arder e embaralhando sua visão.
— Está chorando, bebê? — ele escutou Jerome perguntar. — Vá para casa chorar no colo da mamãe!
O garoto empurrava as costas de Horace com força, fazendo-o se esparramar no chão.
— O bebê não tem mãe — Alda disse. — O bebê é um protegido. A mamãe fugiu com um marinheiro.
— É verdade, bebê? A mamãe fugiu e abandonou você? — Jerome se abaixou e perguntou.
— A minha mãe morreu! — Horace respondeu irritado.
Zangado, começou a se levantar, mas o pé de Jerome estava em seu pescoço e empurrou seu rosto em direção ao chão de madeira. Horace desistiu de levantar.
— Que coisa triste — Alda comentou, fazendo os dois amigos rirem. — Agora arrume essa bagunça, bebezão, ou vamos fazer você refazer a corrida.
Horace ficou deitado exausto. Os três garotos mais velhos saíram do quarto chutando baús e espalhando os pertences dos colegas no chão. Ele fechou os olhos quando o suor salgado os fez arder de novo.
— Detesto este lugar — ele resmungou com a voz abafada pelas tábuas ásperas do chão. 

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