quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Capitulo 8 - Rangers Ordem dos Arqueiros VOL 1


No final daquela tarde, Halt finalmente ficou sem tarefas para passar para Will. Ele viu as panelas brilhantes, a lareira muito limpa, o chão bem varrido e o tapete sem poeira. Ao lado da lareira havia uma pilha de lenha, e outra pilha enchia um cesto de vime ao lado do fogão.
— Hum. Nada mal — ele elogiou. — Nada mal mesmo.
Uma onda de prazer encheu Will ao ouvir o elogio moderado.
— Sabe cozinhar, garoto? — Halt perguntou antes que Will pudesse se sentir muito satisfeito.
— Cozinhar, senhor? — Will perguntou hesitante.
Impaciente, Halt ergueu os olhos para o teto.
— Por que os jovens sempre respondem uma pergunta com outra pergunta? — ele quis saber. — Sim, cozinhar. Preparar comida para que se possa comer, fazer refeições. Acho que você sabe o que é comida, não é? — ele acrescentou quando Will não disse nada.
— S-sim — Will respondeu com cuidado.
— Bem, como eu disse hoje de manhã, este não é um grande castelo. Se quisermos comer, nós temos que cozinhar ele explicou.
Lá estava a palavra “nós” de novo. Sempre que Halt dizia “nós precisamos”, parecia que a frase podia ser traduzida para “você precisa”.
— Não sei cozinhar — Will confessou, e Halt esfregou as mãos.
— Claro que não. A maioria dos garotos não sabe. Vou ter que lhe ensinar. Venha.
Ele seguiu na frente para a cozinha e apresentou Will aos mistérios da culinária: descascar e picar cebolas, escolher uma peça de carne, limpá-la e cortá-la em pedaços iguais, cortar legumes, refogar a carne na panela quente e finalmente acrescentar uma boa dose de vinho tinto e alguns dos “ingredientes secretos” de Halt. O resultado foi um cozido cheiroso.
Enquanto esperavam o jantar ficar pronto, eles se sentaram na varanda para conversar. Era o começo da noite.
— O Grupo dos Arqueiros foi criado há mais de cento e cinquenta anos, durante o reinado do rei Herbert. Você sabe alguma coisa sobre ele? — Halt olhou para o menino sentado ao seu lado e esperou a resposta.
Will hesitou. Ele se lembrava vagamente desse nome, que ouvia nas aulas de História, na ala dos protegidos, mas tinha se esquecido dos detalhes. Mesmo assim, decidiu blefar, pois não queria parecer ignorante no primeiro dia com o novo mestre.
— Ah, sim ele disse. Rei Herbert. Aprendemos sobre ele.
— Verdade? — o arqueiro retrucou animado. — Talvez você possa me contar alguma coisa sobre ele — Halt pediu, cruzando as pernas e ficando à vontade.
Desesperado, Will tentou se lembrar de pelo menos algum pequeno detalhe sobre o rei Herbert. Ele tinha feito alguma coisa... mas o quê?
— Ele era... — Will hesitou, fingindo estar organizando os pensamentos — o rei.
Disso ele tinha certeza e olhou para Halt para ver se já podia parar. Halt simplesmente sorriu e fez um gesto pedindo que continuasse.
— Ele era o rei... cento e cinquenta anos atrás — Will falou, tentando parecer confiante.
O arqueiro sorriu para ele e pediu que continuasse.
— Ahn... bem, acho que foi ele que criou o Grupo dos Arqueiros — o garoto prosseguiu esperançoso, e Halt levantou as sobrancelhas com um olhar zombeteiro.
— É mesmo? Você se lembra disso? — ele disse, e Will, apavorado, percebeu que seu mestre tinha dito que o grupo fora criado durante o reinado, e não necessariamente pelo rei.
— Ahn, bem, quando eu disse que ele criou os arqueiros, quis dizer que ele era o rei nessa época.
— Há cento e cinquenta anos?
— Isso mesmo.
— Puxa, isso é notável, já que lhe contei isso há alguns minutos. — Halt retrucou com o olhar zangado.
Will concluiu que era melhor não dizer nada.
— Menino, se você não sabe alguma coisa, não tente fingir que sabe. Simplesmente diga “eu não sei”, está bem? — Halt falou finalmente.
— Sim, Halt — Will respondeu constrangido. — Halt? — ele chamou depois de um curto silêncio.
— Sim?
— Sobre o rei Herbert... Eu não sei nada — Will confessou.
— Puxa, eu nunca teria adivinhado — ele disse. — Mas tenho certeza de que você vai lembrar quando eu lhe contar que foi ele que conduziu os clãs no norte pela fronteira até as Terras Altas.
E, claro, assim que Halt mencionou o fato, Will lembrou, mas achou que seria má ideia dizer isso. O rei Herbert era conhecido como o Pai da Moderna Araluen. Ele reuniu os 50 feudos num grupo poderoso para derrotar os clãs do norte. Will viu uma forma de recuperar um pouco de prestígio aos olhos de Halt. Se mencionasse o título de Pai da Moderna Araluen, talvez o arqueiro fosse...
— Às vezes, ele é chamado de Pai da Moderna Araluen — Halt estava contando, e Will percebeu que tinha esperado demais. — Ele conseguiu a reunião dos 50 feudos que ainda formam a estrutura que seguimos hoje.
— Acho que agora estou lembrando — Will comentou, tentando criar uma boa impressão.
Halt olhou para ele com a sobrancelha erguida e continuou.
— Naquela época, o rei Herbert achou que, para ficar seguro, o reino precisava de uma força de inteligência eficiente.
— Uma força inteligente? — Will perguntou.
— Não, de inteligência, embora seja útil que ela também seja inteligente. Inteligência é saber o que nossos inimigos, ou possíveis inimigos, estão pretendendo. Quando se sabe esse tipo de coisa com antecedência, temos condições de planejar o que fazer para impedi-los. Foi por esse motivo que ele criou os arqueiros, para serem os olhos e os ouvidos do reino e mantê-lo informado.
— E como vocês fazem isso? — Will perguntou agora mais interessado.
Halt notou a mudança de tom, e um rápido brilho de aprovação passou por seus olhos.
— Nós mantemos olhos e ouvidos abertos. Patrulhamos o reino e as fronteiras. Escutamos, observamos, informamos o rei.
Will assentiu pensativo e perguntou:
— É por esse motivo que vocês podem se tornar invisíveis?
Novamente, Halt teve aquele sentimento de aprovação e satisfação, mas garantiu que o menino não percebesse.
— Não podemos ficar invisíveis. As pessoas apenas pensam que podemos, pois fazemos de tudo para que não nos vejam. Para isso precisamos de muitos anos de aprendizado e treinamento para que o resultado seja perfeito, mas você já tem algumas das habilidades necessárias.
— Tenho? — Will perguntou surpreso.
— Quando você atravessou o pátio do castelo na noite passada, usou as sombras e o movimento do vento para se esconder, não foi?
— Sim.
Nunca antes Will tinha encontrado alguém que realmente entendesse sua capacidade de se mover sem ser visto.
— Nós usamos os mesmos princípios: nos misturamos ao cenário, nos escondemos nele, nos tornamos parte dele — Halt continuou.
— Entendi — Will disse devagar.
— O segredo está em garantir que ninguém mais faça isso.
Por um momento, Will pensou que o arqueiro estivesse brincando, mas quando olhou para ele viu que estava sério como sempre.
— Quantos arqueiros existem?
Halt e o barão tinham falado mais de uma vez sobre o Grupo dos Arqueiros, mas Will só tinha visto um, que era o próprio Halt.
— O rei Herbert criou um grupo de 50, um para cada feudo. Eu fico aqui. Os meus colegas estão nos outros 49 castelos em todo o reino. Além de oferecer o serviço de inteligência para proteção contra possíveis inimigos, os arqueiros ajudam a cumprir a lei. Nós patrulhamos o feudo e garantimos que as leis sejam obedecidas.
— Pensei que o barão Arald fizesse isso — Will comentou.
— O barão é um juiz. As pessoas levam suas queixas para ele para que ele as resolva. Os arqueiros fazem que a lei seja cumprida. Nós levamos as leis às pessoas. Se um crime foi cometido, procuramos provas. Somos as pessoas ideais para essa tarefa, pois geralmente passamos despercebidos. Investigamos para descobrir quem é o responsável.
— E o que acontece depois? — Will quis saber.
— Às vezes, comunicamos o que aconteceu ao barão do feudo e ele manda prender e processar o culpado — Halt contou, dando de ombros. — Outras, se é um assunto urgente, nós... precisamos cuidar do assunto.
— O que fazemos? — Will perguntou, e Halt olhou para ele demoradamente.
— Pouca coisa quando somos aprendizes apenas há algumas horas — ele respondeu. — Os que são arqueiros há vinte anos ou mais sabem o que fazer sem
perguntar.
— Oh! — Will murmurou, devidamente colocado em seu lugar.
— Então, em tempos de guerra, formamos grupos especiais e orientamos os exércitos, reconhecemos o terreno. Ficamos atrás das linhas inimigas para causar problemas para nossos oponentes e assim por diante Halt — olhou para o menino. — É um pouco mais emocionante do que trabalhar numa fazenda.
Will concordou. Talvez a vida de arqueiro tivesse o seu lado bom, afinal.
— Quem são os inimigos? — ele quis saber, afinal, o castelo Redmont sempre tinha estado em paz.
— Há inimigos internos e externos. Pessoas como os invasores do mar Escândio ou Morgarath e seus Wargals.
Will estremeceu ao se lembrar de algumas histórias terríveis sobre Morgarath, o senhor das Montanhas da Chuva e da Noite. Halt balançou a cabeça sério quando viu a reação do garoto.
— É verdade, Morgarath e seus Wargals são motivos de preocupação. É por isso que os arqueiros ficam de olho neles. Gostamos de saber se estão se reunindo e se preparando para uma guerra.
— Mas, da última vez em que atacaram, os exércitos dos barões fizeram picadinho deles.
— Isso é verdade — Halt concordou. — Mas só porque foram avisados do ataque... — ele fez uma pausa e olhou para Will de um jeito significativo.
— Por um arqueiro? — o menino perguntou.
— Isso mesmo. Foi um arqueiro que informou que os Wargals de Morgarath estavam a caminho... e então guiou a cavalaria por uma passagem secreta para que pudesse surpreender o inimigo.
— Foi uma vitória sensacional — Will comentou.
— Foi mesmo. E tudo por causa da vigilância, da habilidade e do conhecimento dos arqueiros sobre trilhas ocultas e caminhos secretos.
— O meu pai morreu nessa batalha — Will acrescentou em voz baixa, e Halt o olhou com curiosidade.
— Verdade?
— Ele era um herói. Um cavaleiro poderoso — Will continuou.
O arqueiro fez uma pausa, como se estivesse decidindo se ia dizer uma coisa.
— Eu não sabia disso — ele simplesmente respondeu.
Will ficou desapontado, pois por um momento teve a impressão de que Halt sabia alguma coisa sobre o pai, que ele poderia lhe contar a história de sua morte heroica.
— Era por esse motivo que eu estava com tanta vontade de ir para a Escola de Guerra — ele completou finalmente. — Para seguir os passos dele.
— Você tem outros talentos — Halt garantiu, e Will lembrou que o barão tinha dito quase a mesma coisa na noite anterior.
— Halt... — ele disse, e o arqueiro fez sinal para que continuasse. — Eu estava pensando... o barão disse que você me escolheu...
Halt concordou com a cabeça outra vez, mas não disse nada.
— E vocês dois dizem que tenho outras qualidades que fazem de mim a pessoa certa para ser um arqueiro...
— É verdade — Halt confirmou.
— Bom, e quais são essas qualidades?
Halt reclinou-se para trás e juntou as mãos atrás da cabeça.
— Você é ágil, isso é bom para um arqueiro — ele começou. — E, como já comentamos, sabe se movimentar em silêncio. Isso é muito importante. Você é rápido e curioso...
— Curioso? O que você quer dizer?
— Está sempre fazendo perguntas e querendo saber as respostas. Foi por isso que pedi ao barão para testá-lo com aquela folha de papel.
— Mas quando notou minha existência pela primeira vez? Quer dizer, quando pensou em me escolher? — Will quis saber.
— Ah, acho que foi quando eu o vi roubar aqueles bolos da cozinha do mestre Chubb.
Will olhou para ele surpreso.
— Você me viu? Mas isso foi há séculos! — e então uma ideia lhe ocorreu de repente. — Onde você estava?
— Na cozinha. Você estava ocupado demais para me ver quando entrou.
Will balançou a cabeça pensativo. Ele estava certo de que não tinha ninguém na cozinha, mas então se lembrou de como Halt, envolto na capa, podia ficar quase invisível. Agora ele percebia que a função de um arqueiro não era só cozinhar e limpar.
— Fiquei impressionado com sua habilidade. Mas teve uma coisa que me impressionou ainda mais.
— E o que foi?
— Mais tarde, quando o mestre Chubb o interrogou, vi que hesitou. Você ia negar que tinha pegado os bolos, mas então admitiu o roubo. Lembra? E ele bateu na sua cabeça com a colher de pau.
Will sorriu e coçou a cabeça pensativo. Ainda conseguia ouvir o barulho da colher em sua cabeça.
— Eu me perguntei se devia ter mentido — ele admitiu, e Halt balançou a cabeça devagar.
— Ah, não, Will. Se você tivesse mentido, nunca teria se tornado meu aprendiz.
Ele se levantou, espreguiçou-se e se virou para a cozinha, onde o cozido fervia no fogão.
— Agora vamos comer.

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