quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Capitulo 7 - Rangers Ordem dos Arqueiros VOL 1


Parecia estranho deixar o castelo depois de todos aqueles anos. Will se virou ao pé do morro com a pequena trouxa de pertences jogada por cima do ombro e olhou para os muros imensos.
O Castelo Redmont dominava a paisagem. Construído no alto de uma pequena colina, voltado para o oeste, ele tinha uma estrutura triangular maciça e uma torre em cada um dos três cantos. No centro, protegido pelos muros altos, estava o pátio do castelo e a fortaleza, uma quarta torre que se elevava acima das outras e que continha a residência oficial do barão, seus aposentos particulares e os de seus oficiais superiores.
O castelo tinha sido construído com minério de ferro uma pedra quase indestrutível e, sob o sol fraco da manhã ou da tarde, parecia emitir um brilho interno vermelho. Era essa característica que lhe dava nome: Redmont Red Mountain (Montanha Vermelha). Ao pé da colina e do outro lado do Rio Tarbus estava a vila de Wensley, um grupo confuso e alegre de casas, uma pousada e as lojas dos artesãos uma tonelaria, uma oficina de conserto de rodas, uma ferraria e uma selaria. Parte das terras ao redor tinha sido desmatada para proporcionar áreas de cultivo para os moradores da vila e evitar que os inimigos pudessem se aproximar sem ser vistos. Em épocas de perigo, os moradores conduziam seus rebanhos para o outro lado da ponte de madeira que cruzava o Tarbus e buscavam abrigo atrás dos muros maciços do castelo, protegidos pelos soldados do barão e pelos cavaleiros treinados na Escola de Guerra de Redmont.
Escondido no bosque, o chalé de Halt ficava a certa distância do castelo e da vila. O sol acabava de se levantar acima das árvores quando Will se aproximou da cabana de madeira. Uma fina espiral de fumaça saía pela chaminé, e Will calculou que Halt já tinha acordado. Ele subiu na varanda que havia num dos lados da casa, hesitou um momento e então, respirando fundo, bateu com firmeza na porta.
— Entre — respondeu uma voz vinda de dentro.
Will abriu a porta e entrou no chalé.
A cabana era pequena, mas surpreendentemente arrumada e confortável. Ele se viu na sala principal, uma combinação de sala de visitas e de jantar que tinha uma pequena cozinha numa das pontas, separada da área principal por um banco de pinho. Havia poltronas confortáveis dispostas ao redor da lareira, uma mesa de madeira bem limpa, com potes e panelas tão polidas que chegavam a brilhar. Havia até um vaso com flores silvestres coloridas no consolo da lareira, e o sol claro da manhã entrava alegremente por uma janela grande. Da sala saía um corredor que levava a dois quartos.
Halt estava sentado em uma das cadeiras com os pés pousados na mesa.
— Pelo menos você chegou na hora — ele resmungou. — Já tomou café?
— Sim, senhor — Will respondeu, olhando fascinado para o arqueiro.
Aquela era a primeira vez que o via sem o casaco e o capuz cinza-esverdeado. O arqueiro usava roupas simples em tom marrom e cinza e botas de couro macio. Ele era mais velho do que Will tinha imaginado. Os cabelos e a barba eram curtos e escuros, mas já apresentavam alguns fios grisalhos. O corte era estranho e parecia ter sido feito pelo próprio Halt com uma faca de caça.
O arqueiro se levantou. Ele era surpreendentemente pequeno, algo que Will nunca tinha percebido. O casaco cinza escondia muito a seu respeito. Ele era magro e, na verdade, muito mais baixo do que a média, mas transmitia uma sensação de poder e força que compensava a sua falta de altura e fazia dele uma figura intimidadora.
— Acabou de olhar? — ele perguntou de repente.
Will deu um salto nervoso.
— Sim, senhor. Desculpe, senhor!
Halt resmungou. Ele apontou para um dos pequenos quartos que Will tinha notado quando entrou.
— Aquele é o seu quarto. Pode colocar as suas coisas ali.
Ele se afastou para o fogão na área da cozinha, e Will, hesitante, entrou no quarto que lhe foi mostrado. O aposento era pequeno, mas, como o restante do chalé, também era limpo e de aspecto confortável. Havia uma pequena cama encostada a uma das paredes, um guarda-roupa e uma mesa rústica com uma jarra e uma bacia.
Will notou que também havia um vaso de flores silvestres recém-colhidas dando um toque de cor ao aposento. Ele colocou a pequena trouxa de roupas e pertences na cama e voltou para a sala principal.
Halt, de costas, ainda estava ocupado no fogão. Will tossiu para atrair a sua atenção. Halt continuou a mexer o café num pote.
Will tossiu outra vez.
— Pegou um resfriado, garoto? — o arqueiro perguntou sem se virar.
— Ahn... não, senhor.
— Então por que está tossindo? — Halt perguntou, virando-se para olhar para ele.
— Bem, senhor, é que eu queria perguntar... o que é mesmo que um arqueiro faz?
— Ele não faz perguntas sem sentido, garoto! Ele fica de olhos e ouvidos abertos, presta atenção e escuta e, no fim, se não for surdo, aprende alguma coisa!
— Ah! Entendi.
Ele não tinha entendido e, apesar de perceber que não era o momento certo para fazer mais perguntas, não conseguiu evitar repetir, numa atitude um pouco rebelde:
— É que eu fiquei imaginando o que os arqueiros faziam, só isso.
Halt percebeu o tom em sua voz e se virou para ele com um brilho estranho no olhar.
— Bom, então acho melhor eu lhe dizer. Os arqueiros, ou melhor, os aprendizes fazem trabalho doméstico.
Will repetiu desajeitado.
— Trabalho doméstico?
Halt concordou com um gesto, parecendo muito satisfeito consigo mesmo.
— Isso mesmo. Dê uma olhada por aí — ele disse mostrando o interior da cabana. — Está vendo algum empregado?
— Não, senhor — Will respondeu devagar.
— Pois é isso mesmo! Porque este não é um castelo enorme com uma equipe de empregados. Esta é uma cabana modesta, e precisamos buscar água, rachar lenha, varrer o chão e bater os tapetes. E quem você acha que vai fazer tudo isso, garoto?
Will tentou pensar numa resposta diferente da que parecia óbvia.
— Seria eu, senhor? — ele perguntou finalmente.
— Acho que sim! — o arqueiro respondeu, descrevendo em seguida uma lista de tarefas rispidamente. — O balde está aqui; o barril, lá fora, do lado da porta; a água, no rio; a enxada, na varanda; a lenha, atrás da cabana. A vassoura está atrás da porta, e acho que você consegue ver onde está o chão.
— Sim, senhor — Will respondeu, começando a arregaçar as mangas.
Quando chegou, ele tinha visto o barril de água grande o bastante para as necessidades do dia. Calculou que precisaria de uns 20 baldes menores para enchê-lo. Com um suspiro, percebeu que teria uma manhã cheia.
— Eu tinha esquecido como é divertido ter um aprendiz — Will ouviu o arqueiro dizer satisfeito enquanto se servia de uma caneca de café e se sentava de novo.
Will não conseguia acreditar que uma cabana tão pequena e aparentemente bem organizada iria exigir tanta limpeza e trabalho. Depois de encher o barril com 30 baldes de água fresca do rio, ele rachou alguns troncos de madeira atrás da cabana e guardou a lenha numa pilha bem-arrumada. Varreu o chão e, quando Halt decidiu que o tapete da sala devia ser sacudido, ele o enrolou, levou para fora, pendurou sobre uma corda presa entre duas árvores e bateu nele com tanta força que levantou nuvens de poeira. De tempos em tempos, Halt olhava pela janela para animá-lo com comentários como “você esqueceu o lado esquerdo” ou “bata com mais força, garoto”.
Depois de colocar o tapete no lugar, Halt resolveu que várias panelas não brilhavam o bastante.
— Vamos ter que esfregar essas panelas um pouco mais — ele murmurou quase que para si mesmo.
Will já tinha entendido que isso queria dizer que era ele quem ia ter que esfregar as panelas um pouco mais. Então, sem dizer nada, levou as panelas para a beira do rio, colocou água e areia nelas e esfregou o metal até ele brilhar.
Enquanto isso, Halt se sentou numa cadeira de lona na varanda e leu uma pilha de comunicados oficiais. Will conseguia ver alguns e notou que vários exibiam timbres e brasões, mas a maioria tinha somente a marca de uma folha de carvalho.
Quando voltou da margem do rio, Will mostrou as panelas para Halt inspecionar. O arqueiro fez uma careta para o reflexo distorcido que viu na superfície brilhante.
— Hum, nada mal. Posso ver o meu rosto nelas — ele disse. — Talvez isso não seja tão bom — acrescentou sem sorrir.
Will não respondeu. Se o comentário tivesse vindo de outra pessoa, diria que tinha sido uma piada, mas com Halt era impossível saber. O arqueiro o analisou por alguns segundos e então deu de ombros, fazendo um gesto para que Will guardasse as panelas na cozinha. Will estava atravessando a porta quando ouviu Halt falar atrás dele.
— Hum, isso é esquisito.
Will parou, achando que Halt estava falando com ele.
— Falou comigo? — ele perguntou desconfiado.
Sempre que Halt tinha encontrado uma nova tarefa para ele, tinha começado a ordem com frases do tipo “que estranho, a sala está cheia de pó” ou “acho que o fogão está precisando urgentemente de mais lenha”.
Esse era um comportamento que Will estava achando bastante irritante, apesar de Halt parecer muito satisfeito. Desta vez, porém, ele pareceu estar mesmo surpreso com algo que tinha lido num dos relatórios com o timbre da folha de carvalho. E agora olhava espantado porque Will tinha falado com ele.
— O que foi?
— Desculpe, pensei que estivesse falando comigo.
Halt balançou a cabeça várias vezes, ainda com a testa franzida por causa do relatório.
— Não, não — ele respondeu meio distraído. — Eu só estava lendo este...
Ele parou de falar e ficou pensativo. Will, curioso, esperou.
— O que é? — ele finalmente teve a coragem de perguntar. Quando o arqueiro virou os olhos escuros para ele, desejou ter ficado calado.
— Está curioso? — Halt perguntou depois de olhar para o garoto por alguns instantes. — Bem, acho que essa é uma boa oportunidade para um aprendiz. Afinal, foi com isso que o testamos com aquele papel no escritório do barão — ele disse inesperadamente num tom mais suave.
— Vocês me testaram? — Will colocou a chaleira de cobre pesada ao lado da porta. — Vocês esperavam que eu tentasse descobrir o que estava escrito?
— Teríamos ficado desapontados se isso não acontecesse — Halt respondeu, levantando a mão para impedir a série de perguntas que estava para sair da boca do rapaz. — Vamos falar sobre isso depois — ele acrescentou, lançando um olhar significativo para a chaleira e as outras panelas.
Will se inclinou para pegá-las e se virou para a casa de novo, mas a curiosidade ainda era muito forte.
— Então, o que diz aí? — ele perguntou com um gesto na direção do relatório.
Mais uma vez Halt olhou para ele em silêncio como se o estivesse examinando.
— Lorde Northolt morreu. Aparentemente atacado por um urso na semana passada durante uma caçada.
— Lorde Northolt? — Will perguntou.
O nome parecia conhecido, mas não conseguia se lembrar de quem era.
— O antigo comandante do exército do rei — Halt informou.
Will assentiu como se soubesse disso. E, já que Halt parecia disposto a responder suas perguntas, ele se encheu de coragem para continuar.
— O que é estranho nesse caso? Afinal, ursos matam pessoas às vezes.
— É verdade, mas eu acho que o feudo Cordom fica muito a oeste para ter ursos. E eu diria que Northolt era um caçador experiente demais para perseguir um urso sozinho — ele deu de ombros, como se quisesse afastar o pensamento. — Mas, por outro lado, a vida é cheia de surpresas e as pessoas cometem erros.
Ele fez outro gesto na direção da cozinha para mostrar que a conversa tinha chegado ao fim.
— Depois de guardar essas panelas, talvez você queira limpar a lareira — ele sugeriu.
Will obedeceu, mas alguns minutos depois, quando passou na frente de uma das janelas perto da grande lareira, que ocupava quase toda a parede, olhou para fora e viu o arqueiro distraído batendo o relatório no queixo, com o pensamento muito longe dali.

Nenhum comentário:

Postar um comentário