domingo, 29 de setembro de 2013

Capitulo 29 - Rangers Ordem dos Arqueiros VOL 1


Durante toda aquela longa tarde, Will teve a impressão de que tinha passado a vida toda numa sela, fazendo um intervalo somente nos momentos de trocar de cavalo. Uma breve pausa para desmontar, soltar a barrigueira do animal que estava montando, colocar a sela no cavalo que o acompanhava, montar novamente e continuar.
Repetidas vezes, ele se admirou da fantástica resistência mostrada por Puxão e Blaze, que mantinham o galope constante. Até teve que freá-los um pouco para acompanhar os cavalos de batalha montados pelos dois cavaleiros. Mesmo grandes, fortes e treinados para a guerra, eles não conseguiam seguir o ritmo constante dos cavalos dos arqueiros, apesar de estarem descansados quando o pequeno grupo deixou o Castelo Redmont.
Eles cavalgavam sem falar. Não havia tempo para conversa fiada e, mesmo que houvesse, seria difícil escutar o que estavam falando por causa do barulho forte dos quatro cavalos de batalha, o bater mais leve dos cascos de Puxão e Blaze e o constante chacoalhar do equipamento e das armas.
Os dois homens carregavam compridas lanças de guerra: varas cinzentas e duras de mais de 3 metros de comprimento com uma pesada ponta de ferro. Além disso, cada um levava uma espada presa à sela. Eram armas enormes e pesadas muito maiores que as espadas normalmente usadas no dia-a-dia; e Rodney levava uma pesada acha pendurada na parte traseira da sela. Porém era nas lanças que eles confiavam mais. Elas manteriam os Kalkaras a distância e assim reduziriam a chance de que os cavaleiros fossem paralisados pelo terrível olhar das duas bestas. Aparentemente, o olhar hipnótico só era eficiente quando muito próximo. Se um homem não pudesse ver os olhos dos monstros com clareza, havia pouca possibilidade de que fosse paralisado.
O sol estava se escondendo rapidamente atrás deles e jogava as sombras longas e distorcidas para a frente. Arald olhou a posição do sol por cima do ombro e chamou Will.
— Quanto tempo ainda temos de luz, Will?
Will se virou na sela e olhou com atenção para a bola de luz que caía no horizonte.
— Menos de uma hora, senhor.
O barão balançou a cabeça indeciso.
— Então vai ser difícil chegar lá antes do anoitecer — afirmou.
Ele instigou o cavalo a avançar, aumentando um pouco a velocidade. Puxão e Blaze o acompanharam sem esforço. Ninguém queria caçar os Kalkaras no escuro.
A hora de descanso no castelo tinha operado maravilhas em Will, mas agora parecia que tinha acontecido numa outra vida. Ele pensou nas instruções apressadas que Arald tinha dado quando montaram os animais para deixar Redmont. Se encontrassem os Kalkaras nas Ruínas de Gorlan, Will deveria ficar para trás enquanto o barão e sir Rodney atacavam os dois monstros. Não havia táticas complicadas, apenas um ataque impetuoso que poderia pegar os dois assassinos de surpresa.
— Se Halt estiver lá, tenho certeza de que também vai nos ajudar. Mas quero você longe do nosso caminho, Will. Esse seu arco não vai servir de nada num Kalkara.
— Sim, senhor — Will tinha dito.
Ele não tinha intenção de se aproximar dos monstros. Estava mais do que satisfeito em deixar o assunto para os dois cavaleiros, protegidos por escudos, capacetes e meias armaduras de malha de ferro. Contudo, as palavras seguintes de Arald desfizeram rapidamente qualquer confiança exagerada que ele pudesse ter na capacidade dos homens em lidar com as bestas.
— Se as malditas coisas nos vencerem, quero que corra em busca de mais ajuda. Karel e os outros vão estar em algum lugar atrás de nós. Encontre-os e depois procure os Kalkaras com eles. Siga essas bestas e mate-as.
Will não disse nada. O simples fato de Arald considerar o fracasso, quando ele e Rodney eram os dois melhores cavaleiros num raio de 200 quilômetros, fez aumentar ainda mais sua preocupação com os Kalkaras. Pela primeira vez, o garoto percebeu que as probabilidades estavam contra eles nessa disputa.
O sol tremia na beira do mundo, as sombras haviam atingido seu comprimento máximo e eles ainda tinham que percorrer muitos quilômetros. O barão Arald ergueu a mão e fez o grupo parar. Ele olhou para Rodney e apontou as tochas embebidas em piche que cada homem carregava atrás das selas.
— Tochas, Rodney — ele disse rapidamente.
O mestre de guerra hesitou por um momento.
— Tem certeza, senhor? Elas vão mostrar nossa posição se os Kalkaras estiverem vigiando.
— Eles vão nos ouvir chegar de qualquer forma — Arald disse, dando de ombros. — E entre as árvores vamos nos mover devagar demais sem luz. Vamos correr o risco.
Ele preparou sua pedra-de-fogo, formando uma fagulha que acendeu o pequeno pavio e logo criou uma chama forte. Segurou a tocha perto do fogo, e o piche em que estava impregnada de repente se acendeu e explodiu numa chama amarela. Rodney se inclinou na sua direção com a outra tocha e a acendeu na chama do barão. Então, segurando as tochas para o alto, as lanças presas por tiras de couro enroladas em seus pulsos direitos, eles retomaram o galope, trovejando na escuridão debaixo das árvores quando finalmente deixaram a estrada larga que vinham percorrendo desde o meio-dia.
Passaram-se outros dez minutos quando ouviram os gritos.
Era um som fantasmagórico que fazia o estômago dar voltas e congelava o sangue. Involuntariamente, o barão e sir Rodney puxaram as rédeas dos animais. Os cavalos ficaram extremamente agitados. O barulho vinha de algum ponto adiante deles, aumentando e diminuindo.
— Bom Deus nos céus! — o barão exclamou. — O que foi isso? — ele indagou com a expressão assustada.
O som infernal atravessou a noite e foi respondido por outro uivo idêntico.
Will já tinha ouvido o terrível som antes. Ele sentiu o sangue sumir do rosto quando se deu conta de que seus temores mostravam ter fundamento.
— São os Kalkaras. Eles estão caçando.
E ele sabia que havia apenas uma pessoa atrás da qual podiam estar. Eles tinham voltado e estavam caçando Halt.
— Olhe, meu senhor! — Rodney disse, apontando para o céu que escurecia rapidamente.
Através de um espaço na proteção oferecida pelas árvores, eles viram uma súbita rajada de luz se refletindo no céu, sinal de um incêndio num lugar próximo.
— É Halt! — o barão disse. — Tem que ser. Ele precisa de ajuda!
Arald pressionou as esporas nos flancos do cansado cavalo de batalha, impelindo o animal para a frente em um galope ensurdecedor. A tocha em sua mão deixava chamas e faíscas para trás enquanto sir Rodney e Will o seguiam a galope.
Era uma sensação estranha seguir aquelas tochas flamejantes e agitadas com suas línguas alongadas de fogo soprando para trás por entre as árvores, jogando sombras esquisitas e apavorantes entre elas, enquanto à frente deles o brilho do fogo maior, presumivelmente aceso por Halt, ficava mais forte e próximo a cada passo.
Eles saíram do meio das árvores praticamente sem aviso e se depararam com uma cena de pesadelo.
Havia uma pequena clareira coberta por capim. Além dela, o terreno estava tomado por um amontoado de rochas e matacões. Pedaços gigantescos de paredes, ainda unidas por argamassa, estavam espalhados pelos lados, alguns meio enterrados no solo macio coberto de grama. As paredes em ruínas do Castelo Gorlan cercavam a cena em três lados, nunca ultrapassando 5 metros, destruídas e derrubadas por um reino vingativo depois que Morgarath tinha sido obrigado a partir para o sul, para as Montanhas da Chuva e da Noite. O caos resultante era como o playground de uma criança gigante pedras espalhadas em todas as direções, empilhadas com descuido umas em cima das outras, praticamente sem deixar nenhum pedaço de terreno descoberto.
Toda a cena era iluminada pelas chamas saltitantes e retorcidas de uma fogueira acesa a uns 40 metros de distância. E ao lado dela estava agachada uma figura horrível, gritando com ódio e fúria, batendo inutilmente na ferida mortal no peito que finalmente a tinha derrubado.
Com mais de 2,5 metros de altura e pelos desgrenhados e emaranhados, parecidos com escamas, cobrindo todo o corpo, o Kalkara tinha braços compridos que terminavam em garras e que chegavam abaixo de seus joelhos. Pernas traseiras fortes e relativamente curtas lhe davam a capacidade de percorrer distâncias a uma velocidade enganosa, com uma série de saltos e pulos.
Os três cavaleiros viram tudo isso quando saíram do bosque. Mas o que mais lhes chamou a atenção foi a cara: selvagem e parecida com a de um macaco, dentes caninos amarelados e enormes olhos vermelhos brilhantes cheios de ódio e de desejo cego de matar. A cara se virou para eles, e a besta gritou em desafio, tentando se levantar, mas voltando a cair, meio encolhida.
— O que há de errado com ele? — Rodney perguntou, fazendo seu cavalo parar.
Will apontou para o grupo de flechas que se projetava de seu peito. Devia haver seis delas, todas a cerca de um palmo de distância uma da outra.
— Olhe! — ele gritou. — Veja as flechas!
Halt, com sua incrível pontaria, deve ter mandado uma saraivada de flechas, uma depois da outra, para cortar o pelo rígido como uma armadura. Cada uma aumentou a brecha nas defesas do monstro, até que a ultima penetrou no fundo de sua carne. Seu sangue negro corria profusamente pelas costas, e o monstro gritou outra vez com ódio.
— Rodney! — o barão Arald gritou. — Comigo! Agora!
Soltando a rédea do cavalo reserva, ele segurou de um lado a tocha acesa, inclinou a lança e a jogou. Rodney estava meio segundo atrás dele, os dois cavalos de batalha trovejando pelo espaço aberto. O Kalkara, com o sangue encharcando o chão aos seus pés, levantou-se e foi atingido no peito pelas pontas das duas lanças, uma após a outra.
O monstro estava quase morto, mas mesmo assim seu peso e sua força contiveram a corrida dos cavalos de batalha. Eles empinaram o corpo quando os dois cavaleiros se inclinaram nos estribos para empurrar as lanças no peito da criatura. A ponta de ferro afiada penetrou na carne e atravessou os pelos emaranhados. A força da investida fez o Kalkara perder o equilíbrio e o jogou para trás, para dentro das chamas.
Durante um instante, nada aconteceu. Então eles viram um clarão ofuscante e um pilar de chamas vermelhas que atingiu 10 metros de altura no céu da noite. E, de uma forma muito simples, o Kalkara desapareceu.
Os dois cavalos de batalha se empinaram apavorados, e Rodney e o barão mal conseguiam se manter nas selas. Eles se afastaram do fogo, e todos sentiram um cheiro forte e desagradável de carne e pelos queimados.
Will se lembrou vagamente de Halt discutir a forma de lidar com um Kalkara. Ele tinha contado que se dizia que eles eram especialmente suscetíveis ao fogo. “Parece que os boatos estavam certos”, Will pensou, fazendo Puxão trotar para junto dos dois cavaleiros.
Rodney estava esfregando os olhos, ainda atordoado pelo clarão forte.
— Que diabos causou isso?
O barão tirou a lança do fogo com cuidado. A madeira estava queimada, e a ponta, escurecida.
— Deve ser a substância pegajosa que cobre os pelos deles e forma essa couraça dura — ele respondeu num tom de voz espantado. — Ela deve ser ligeiramente inflamável.
— Bem, o que quer que fosse, nós conseguimos derrotar — Rodney retrucou com um tom satisfeito na voz.
O barão balançou a cabeça.
— Halt conseguiu — ele corrigiu o mestre de guerra. — Nós só demos o último golpe.
Rodney concordou com um gesto de cabeça, aceitando a correção. O barão olhou para o fogo, que ainda jogava uma torrente de faíscas no ar, mas cujas chamas vermelhas já estavam se acalmando.
— Halt deve ter acendido esse fogo quando percebeu que eles o estavam cercando. Ele incendiou a área para ter luz e poder atirar.
— E atirou mesmo — sir Rodney afirmou. — Todas as flechas acertaram pontos muito próximos uns dos outros.
Eles olharam ao redor, procurando algum sinal do arqueiro. Então, debaixo das paredes em ruínas do castelo, Will viu um objeto conhecido. Ele desmontou e correu para apanhá-lo. Seu coração se apertou no peito quando pegou o poderoso arco de Halt, esmagado e partido em dois pedaços.
— Ele deve ter atirado daqui — falou, indicando o ponto abaixo das paredes caídas onde tinha achado o arco.
Todos olharam para cima, imaginando a cena, tentando recriá-la. O barão apanhou a arma destruída da mão de Will quando este montou novamente em Puxão.
— E o segundo Kalkara o alcançou enquanto ele matava seu irmão — ele disse. — A pergunta é: onde Halt está agora? E onde está o outro Kalkara?
Foi quando eles ouviram os gritos recomeçarem.

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