sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Capitulo 17 - Rangers Ordem dos Arqueiros VOL 1


A primeira neve do ano formava uma camada grossa no chão quando Will e Halt cavalgaram lentamente para casa vindos da floresta.
Seis semanas tinham se passado desde o confronto do Dia da Colheita e a situação com Horace continuava sem solução. Houve poucas oportunidades para que os dois garotos recomeçassem a discussão, visto que seus respectivos mestres os mantinham ocupados e seus caminhos raramente se cruzavam.
Will tinha visto o aprendiz de guerreiro ocasionalmente, mas sempre de longe. Eles não tinham se falado, nem mesmo tido a oportunidade de perceber a presença um do outro. Mas Will sabia que o sentimento hostil ainda estava lá e algum dia viria à tona.
Estranhamente, essa possibilidade não o perturbava como teria feito alguns meses antes. Não que esperasse ansiosamente pela continuação da luta com Horace, mas sentiu que podia encarar a ideia com uma certa tranquilidade. Ele sentia uma grande satisfação quando se lembrava do soco forte e sólido que tinha dado no nariz de Horace. Também se dava conta, com uma leve surpresa, de que a lembrança do incidente se tornava mais agradável pelo fato de que tinha acontecido na presença de Jenny e era ali que estava a surpresa: Alyss. Mesmo que o acontecimento não tivesse produzido resultados concretos, ele ainda encerrava muitos fatos que faziam Will pensar.
Mas ele se deu conta de que não podia fazê-lo naquele momento, pois o tom de voz zangado de Halt o arrastou de volta ao presente.
— Será que podemos continuar procurando pegadas ou você tem alguma coisa mais importante para fazer?
No mesmo instante, Will se virou, tentando enxergar o que Halt tinha mostrado. Enquanto cavalgavam pela neve firme e branca, e os cascos dos cavalos faziam apenas leves ruídos, Halt tinha mostrado alterações na cobertura clara e regular. Eram pegadas deixadas por animais, e era tarefa de Will identificá-las. Ele tinha bons olhos e uma boa cabeça para o trabalho. Normalmente, gostava dessas lições de caça, mas agora sua atenção tinha se desviado e ele não tinha ideia de para onde deveria olhar.
— Ali — Halt disse como quem não esperava ter que repetir a indicação.
Will ficou em pé nos estribos para ver as marcas na neve com mais clareza.
— Coelho — ele disse prontamente, e Halt olhou de lado.
— Coelho? — repetiu, e Will olhou novamente, corrigindo-se quase de imediato.
— Coelhos — disse, dando ênfase ao plural, pois Halt insistia em ser preciso.
— Isso mesmo — Halt murmurou. — Afinal, se as pegadas fossem de escandinavos, você precisaria saber quantos eram.
— Acho que sim — Will respondeu com humildade.
— Você acha que sim? — Halt retrucou sarcástico. — Acredite, Will, há uma grande diferença entre saber se há um escandinavo por perto ou uma dúzia.
Will balançou a cabeça num gesto de desculpas.
Uma das mudanças que tinha acontecido no relacionamento deles ultimamente era o fato de que Halt quase nunca mais se referia a ele como “garoto”. Naqueles dias, era sempre “Will”. Will gostava disso, pois o fazia sentir que, de certa forma, tinha sido aceito pelo arqueiro com cara de poucos amigos. Ao mesmo tempo, gostaria que Halt sorrisse vez ou outra quando dissesse o nome dele. Ou mesmo só uma vez.
A voz baixa de Halt o arrancou de seus devaneios.
— Pois bem... coelhos. Isso é tudo?
Will olhou de novo. Era difícil enxergar na neve remexida, mas depois que Halt tinha chamado sua atenção, viu outra série de pegadas.
— Um arminho! — disse triunfante, e Halt assentiu outra vez.
— Um arminho. Mas você deveria saber que havia outra coisa, Will. Olhe como essas pegadas de coelho são fundas. É óbvio que alguma coisa os assustou. Quando você vir um sinal como esse, é uma indicação para procurar mais alguma coisa.
— Entendi — Will disse, mas Halt balançou a cabeça.
— Não. Muitas vezes você não entende porque não se concentra. Você tem que trabalhar nisso.
Will não disse nada. Ele simplesmente aceitou a crítica. Tinha aprendido que Halt não criticava sem motivo e, quando havia um, não havia desculpas que pudessem salvá-lo.
Eles continuaram a cavalgar em silêncio. Will examinava o chão ao redor deles com atenção, procurando mais pegadas e mais sinais de animais. Andaram aproximadamente mais 1 quilômetro e estavam começando a ver alguns dos marcos conhecidos que lhes diz iam que estavam perto da cabana quando uma coisa chamou a atenção de Will.
— Olhe! — ele exclamou, apontando para um trecho de neve remexida ao lado da trilha. — O que é isso?
Halt se virou para olhar. As pegadas, se é que eram pegadas, eram diferentes de todas as que Will tinha visto até então. O arqueiro fez seu cavalo se aproximar da beira da trilha e as analisou com atenção.
— Hum — ele murmurou pensativo. — Essa é uma que ainda não lhe mostrei. Não se veem muitas dessas atualmente, portanto dê uma boa olhada, Will.
O arqueiro desceu da sela com facilidade e, seguido por Will, andou pela neve na altura dos joelhos até as marcas.
— O que é? — o garoto quis saber.
— Porco selvagem — Halt disse apenas. — E dos grandes.
Will olhou em volta nervoso. Ele talvez não soubesse qual era a aparência das pegadas de um porco selvagem na neve, mas tinha ouvido bastante sobre as criaturas para saber que elas eram muito, mas muito perigosas.
Halt percebeu o olhar e fez um gesto tranquilizador com a mão.
— Relaxe ele disse. Ele não está por perto.
— Você consegue dizer isso por causa das pegadas? — Will perguntou.
Ele olhou para a neve fascinado. Os sulcos profundos obviamente tinham sido feitos por um animal muito grande e, aparentemente, também muito zangado.
— Não — Halt respondeu com calma. — É por causa dos nossos cavalos. Se um porco selvagem desse tamanho estivesse aqui por perto, esses dois estariam resfolegando, batendo as patas e relinchando tanto que não poderíamos nem ouvir nossos pensamentos.
— Ah — Will retrucou, sentindo-se um pouco bobo.
Ele afrouxou a mão que segurava o arco. Entretanto, apesar das palavras tranquilizadoras do arqueiro, não resistiu e deu só mais uma olhada em volta. Quando fez isso, seu coração começou a bater cada vez mais depressa.
O mato do outro lado da trilha estava se mexendo, mesmo que só levemente. Normalmente, ele teria culpado a brisa pelo movimento, mas o treinamento com Halt tinha melhorado seu raciocínio e seu senso de observação. Naquele momento, não havia brisa nem mesmo a mais leve aragem. Mas, mesmo assim, os arbustos continuavam a se mexer.
A mão de Will desceu lentamente para a aljava.
Muito devagar, para não assustar a criatura nos arbustos, ele pegou uma flecha e a colocou na corda do arco.
— Halt? — ele tentou falar em voz baixa, sem conseguir evitar que ela tremesse um pouco.
Ele se perguntou se seu arco conseguiria parar um porco selvagem furioso. Achava que não.
Halt olhou ao redor e viu a flecha posicionada no arco de Will virada na direção para a qual o garoto estava olhando.
— Espero que você não esteja pensando em atirar no pobre velho fazendeiro que está escondido atrás desses arbustos — ele disse sério e em voz alta para que chegasse até o grupo compacto de arbusto do outro lado da trilha.
No mesmo instante, houve um movimento nas plantas, e Will escutou uma voz nervosa gritando:
— Não atire, meu bom senhor! Por favor, não atire! Sou só eu!
Os arbustos se abriram quando um homem velho de aparência desgrenhada e assustada se levantou e correu para a frente. Mas a pressa foi sua desgraça, pois seu pé ficou preso nos galhos dos arbustos e ele caiu estendido na neve. Levantou-se com esforço, desajeitado, as mãos estendidas para mostrar que não estava armado. Ao se aproximar, continuou a falar sem parar, confuso.
— Sou só eu, senhor! Não precisa atirar, senhor! Sou só eu, juro, e não sou perigoso para pessoas como vocês!
Ele correu para o centro da trilha com os olhos presos no arco e na ponta cintilante e afiada da flecha de Will. Lentamente, depois de examinar melhor o intruso, o garoto afrouxou a tensão na corda e abaixou o arco. O velho era extremamente magro. Vestido com um macacão de fazendeiro esfarrapado e sujo, tinha braços e pernas compridos e esquisitos e cotovelos e joelhos nodosos. Sua barba era grisalha e manchada, e ele estava ficando calvo no alto da cabeça.
O homem parou a alguns metros deles e sorriu nervosamente para os dois vultos cobertos pela capa.
— Sou só eu — ele repetiu pela última vez.

Nenhum comentário:

Postar um comentário