sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Capitulo 16 - Rangers Ordem dos Arqueiros VOL 1


Jenny, Alyss e George chegaram logo depois. Como tinha prometido, Jenny trouxe uma porção de tortas frescas embrulhadas num tecido vermelho. Ela as colocou cuidadosamente no chão debaixo da macieira enquanto os amigos se reuniam à sua volta. Até Alyss, normalmente equilibrada e séria, parecia ansiosa para pôr as mãos numa das obras-primas de Jenny.
— Vamos! — George disse — Estou morrendo de fome.
— Devemos esperar o Horace — Jenny retrucou, balançando a cabeça, olhando à sua volta a procurar pelo colega, mas sem o ver no meio da multidão.
— Ah, vamos lá — George pediu. — Fiquei trabalhando feito um escravo numa petição para o barão a manhã toda!
— Talvez a gente deva ir comendo — Alyss disse, revirando os olhos para o céu. — Senão ele vai começar uma discussão legal e vamos ficar aqui o dia todo. Nós podemos guardar algumas para o Horace.
Will sorriu. Agora, George estava totalmente diferente do garoto tímido e gago do Dia da Escolha. Era evidente que a Escola de Escribas o tinha feito desenvolver-se. Jenny serviu duas tortas para cada um e separou duas para Horace.
Os outros começaram a comer ansiosamente, e logo começou o coro de elogios para as tortas. A reputação de Jenny era merecida.
— Isto não pode ser descrito como uma simples torta, Vossa Excelência — George disse, levantando-se acima deles e estendendo os braços para os lados como se estivesse se dirigindo a um tribunal imaginário. — Descrever isto como uma torta seria um grosseiro erro da justiça, do tipo que este tribunal nunca viu antes!
— Há quanto tempo ele está assim? — Will perguntou para Alyss.
— Todos ficam assim depois de alguns meses de prática legal — ela respondeu sorrindo. — Ultimamente, o problema é fazer o George calar a boca.
— Ah, sente-se, George — Jenny ordenou, corando com o elogio, mas muito satisfeita. — Você é mesmo um bobo.
— Talvez, cara senhorita. Mas foi a simples magia destas obras de arte que revirou o meu cérebro. Elas não são tortas, são sinfonias! — ele levantou o que restava de sua torta para os outros, fingindo fazer um brinde. — Eu lhe dou... a sinfonia de tortas da srta. Jenny!
Alyss e Will, rindo um para o outro e para George, levantaram suas tortas em resposta e repetiram o brinde. Então os quatro aprendizes explodiram numa gargalhada.
Era uma pena que Horace tivesse escolhido exatamente aquele momento para chegar. Ele se sentia mal em sua nova situação. O trabalho era duro e incessante, e a disciplina, firme. Naturalmente, tinha esperado que, em circunstâncias normais, pudesse cuidar de tudo. Mas ser o alvo do rancor de Bryn, Alda e Jerome estava tornando a sua vida um pesadelo literalmente. Os três cadetes do 2° ano o levantavam da cama a qualquer hora da noite e o arrastavam para fora para realizar as tarefas mais humilhantes e exaustivas.
A falta de sono e a preocupação de nunca saber quando eles poderiam aparecer para atormentá-lo ainda mais estava fazendo que ele se prejudicasse nos trabalhos da classe. Seus colegas de quarto, ao perceber que, se mostrassem qualquer solidariedade para com ele, também poderiam se tornar alvos, o deixavam de lado, e assim ele se sentia totalmente sozinho em seu sofrimento. A única coisa que sempre quis estava se transformando em cinzas rapidamente. Ele detestava a Escola de Guerra, mas não via uma saída para essa situação difícil sem ficar ainda mais constrangido e humilhado.
Agora, no único dia em que poderia escapar das restrições e das tensões da Escola de Guerra, chegou e encontrou os antigos colegas já ocupados com seu banquete. Ficou zangado e magoado porque eles não se importaram em esperar por ele. Não tinha ideia de que Jenny havia separado algumas tortas para ele e supôs que ela já as tinha dividido, e isso doeu mais que tudo.
De todos os seus antigos colegas protegidos, ela era a pessoa de quem se sentia mais próximo. Jenny sempre estava alegre, simpática, disposta a ouvir os problemas dos outros. Ele percebeu que tinha estado ansioso para vê-la outra vez naquele dia e sentiu que ela o tinha decepcionado.
Estava predisposto a pensar mal dos outros. Alyss sempre pareceu se manter longe dele, como se não fosse bom o suficiente para ela, e Will sempre pregava peças nele para depois sair correndo e subir naquela árvore imensa onde não podia alcançá -lo. Pelo menos era assim que via as coisas, vulnerável como estava no momento.
Convenientemente, esqueceu as vezes em que tinha dado uma bofetada na orelha de Will ou uma chave de braço até que o garoto menor se visse obrigado a pedir, aos gritos, que parasse. Quanto a George, Horace nunca tinha dado muita atenção a ele. O garoto magro era estudioso e dedicado aos seus livros, e Horace sempre o tinha considerado uma pessoa monótona e desinteressante. Agora, estava ali se exibindo enquanto os outros riam e comiam as tortas e não deixavam nada para ele. De repente, Horace odiou todos.
— Bom, isso é muito legal, não é mesmo? — disse com amargura, e todos se viraram para ele com o riso morrendo em seus rostos.
Como não podia deixar de ser, Jenny foi a primeira a se recuperar.
— Horace! Finalmente você chegou! — ela disse.
Ela começou a andar na direção dele, mas o olhar frio no rosto do garoto a fez parar.
— Finalmente? — ele repetiu. — Eu me atraso alguns minutos e, de repente, chego aqui “finalmente”? E tarde demais, porque vocês já devoraram todas as tortas.
Aquilo não era nada justo para com a pobre Jenny.
Como a maioria dos cozinheiros, depois de preparar uma refeição, ela tinha pouco interesse em comer. Seu verdadeiro prazer era ver os outros apreciarem os resultados de seu trabalho. E ouvir os elogios. Consequentemente, não tinha comido nenhuma de suas tortas. Ela então se virou para as duas que tinha coberto com um guardanapo e guardado para ele.
— Não, não — ela disse depressa. — Ainda sobraram algumas! Veja.
Mas a raiva de Horace não deixou que ele agisse ou falasse racionalmente.
— Bem — ele disse com a voz cheia de sarcasmo — talvez eu deva voltar mais tarde para que vocês tenham tempo de acabar com elas também.
— Horace!
Lágrimas surgiram nos olhos de Jenny. Ela não tinha ideia do que estava errado com o amigo. Tudo o que sabia era que o plano para uma reunião agradável com os antigos colegas do castelo estava caindo por terra.
George deu um passo à frente e observou Horace com curiosidade. O garoto alto e magro inclinou a cabeça para o lado a fim de analisar o aprendiz de guerreiro mais de perto, como se fosse uma peça em exibição ou uma prova num tribunal de justiça.
— Não há motivo para ser tão desagradável — ele disse com sensatez.
Mas Horace não queria ouvir conselhos sensatos.
Zangado, ele empurrou o outro garoto para o lado.
— Fique longe de mim — ele disse. — E veja bem como fala com um guerreiro!
— Você ainda não é um guerreiro — Will zombou. — Ainda é só um aprendiz como todos nós.
Jenny fez um pequeno gesto com as mãos, pedindo para Will esquecer o assunto.
Horace, que estava se servindo das tortas restantes, olhou para cima devagar. Ele mediu Will dos pés à cabeça por alguns segundos.
— Ahá! Então o aprendiz espião está com a gente hoje! — Ele olhou para ver se os outros estavam rindo de sua piada. Não estavam, e isso só serviu para deixá-lo mais desagradável. — Acho que Halt está ensinando você a andar escondido por ai, espiando todo mundo, não é?
Horace deu um passo à frente sem esperar resposta e, sarcástico, cutucou a capa manchada de Will com o dedo.
— O que é isso? Você não tinha bastante tinta para que ela ficasse só de uma cor?
— É uma capa de arqueiro — Will informou com calma, controlando a raiva que estava crescendo dentro dele.
Horace resfolegou zombeteiro, enfiando metade de uma torta na boca e espalhando migalhas para os lados.
— Não seja tão desagradável — George pediu.
Com o rosto vermelho, Horace se virou para o aprendiz de escriba.
— Veja como fala, garoto! — ele disparou. — Você sabe que está falando com um guerreiro!
— Um aprendiz de guerreiro — Will repetiu com firmeza, dando ênfase à palavra “aprendiz”.
Horace ficou mais vermelho e olhou zangado para os dois. Will ficou tenso, sentindo que o garoto maior estava pronto para atacar. Mas havia alguma coisa no olhar de Will e na sua atitude determinada que fez Horace pensar duas vezes. Ele nunca tinha visto aquele olhar de desafio antes. No passado, sempre tinha visto medo quando ameaçava Will. Essa confiança recém-encontrada o perturbou um pouco.
Em vez disso, ele se voltou para George e lhe deu um forte empurrão no peito.
— E isso? Acha desagradável também? — ele disse quando o garoto magro e alto cambaleou para trás.
Os braços de George giraram no ar quando ele tentou evitar uma queda. Acidentalmente, deu um soco rápido na lateral de Puxão. O pequeno pônei, que pastava tranquilamente, empinou-se de repente.
— Quieto, Puxão — Will ordenou, e o cavalo se acalmou imediatamente.
Foi então que Horace o notou pela primeira vez. Ele se aproximou e observou o pônei desgrenhado com mais atenção.
— O que é isso? — perguntou zombeteiro. — Alguém trouxe um cachorro grande e feio para a festa?
— Ele é o meu cavalo — Will disse com calma, fechando os punhos.
Ele podia suportar as zombarias de Horace, mas não ia aguentar ver seu cavalo ser insultado.
Horace soltou uma forte gargalhada.
— Um cavalo? Isso não é um cavalo! Na Escola de Guerra montamos cavalos de verdade! Não cachorros despenteados! Também acho que ele precisa de um bom banho!
Horace franziu o nariz e fingiu cheirar o pônei.
O animal olhou de lado para Will. “Quem é esse cara irritante?”, seus olhos pareciam dizer. Então Will, escondendo com cuidado o sorriso malvado que estava tentando aparecer em seu rosto, disse como quem não quer nada:
— Ele é um cavalo de arqueiro. Somente um arqueiro pode montar nele.
— Minha avó poderia montar esse cachorro desgrenhado! — Horace retrucou rindo.
— Talvez ela pudesse, mas duvido que você possa — Will respondeu.
Antes mesmo de terminar o desafio, Horace estava desamarrando as rédeas. Puxão olhou para Will, e o garoto quase jurou que o cavalo assentiu de leve com a cabeça.
Horace pulou facilmente nas costas de Puxão. O pônei ficou parado.
— Muito fácil Horace — exultou. — Em seguida, enterrou os calcanhares nos lados de Puxão. Vamos, cachorrinho! Vamos dar uma corrida.
Will viu o conhecido retesar dos músculos das pernas e do corpo de Puxão. Então, o pônei saltou no ar com as quatro patas, virou-se violentamente, desceu nas patas dianteiras e jogou as traseiras no ar.
Horace voou como um pássaro durante vários segundos e caiu estirado de costas na poeira. George e Alyss assistiram a tudo deliciados. O encrenqueiro ficou deitado por uns segundos, espantado e tonto. Jenny se levantou para ver se ele estava bem, mas então, com uma expressão dura no rosto, parou. Ele tinha pedido aquilo.
Havia então uma chance, apenas uma chance, de que todo o incidente terminasse ali. Mas Will não resistiu à tentação de fazer um último comentário.
— Por que você não pergunta à sua avó se ela pode ensinar você a montar? — perguntou sério.
George e Alyss conseguiram esconder o sorriso, mas, infelizmente, foi Jenny quem não conseguiu parar o risinho que escapou de sua boca.
Num instante, Horace se levantou com uma expressão furiosa. Ele olhou à sua volta, viu um galho caído da macieira e o agarrou, sacudindo-o sobre a cabeça enquanto corria na direção de Puxão.
— Você vai ver, cavalo maldito! — ele gritou furioso, agitando o pau na direção do animal com selvageria.
O pônei dançou para o lado, para fora do alcance do braço de Horace. Antes que o rapaz pudesse atacar outra vez, Will estava em cima dele. Aterrissou nas costas de Horace, e seu peso e a força do salto jogaram os dois no chão. Rolaram na terra atracados, cada qual tentando vencer o outro. Puxão, assustado ao ver o dono em perigo, relinchou nervosamente e se empinou.
Um dos braços livres que Horace agitava loucamente conseguiu desferir um soco na orelha de Will. Este, por sua vez, conseguiu libertar o braço direito e deu um soco forte no nariz de Horace.
O sangue escorria do rosto do garoto maior. Os braços de Will estavam fortes e musculosos depois de três meses de treinamento com Halt, mas Horace também tinha aulas numa escola exigente. Ele atingiu o estômago de Will com o punho, e este abriu a boca como se estivesse sufocando.
Horace se levantou com dificuldade, mas Will, num movimento que Halt tinha lhe mostrado, girou as pernas formando um arco, atingiu as pernas de Horace e o fez cair outra vez.
“Sempre ataque primeiro”, Halt tinha metido em sua cabeça nas horas em que passaram praticando combate desarmado. Quando Horace desabou no chão outra vez, Will mergulhou sobre ele e tentou prender seus braços atrás dos joelhos.
Então Will sentiu uma mão de ferro na parte de trás de seu colarinho. Ele foi levantado no ar como um peixe no anzol, debatendo-se e protestando.
— O que está acontecendo aqui, seus dois desordeiros? — perguntou a voz alta e zangada em seu ouvido.
Will se virou e percebeu que estava sendo segurado por sir Rodney, o mestre de guerra. E o grande guerreiro parecia muito zangado. Horace se levantou com dificuldade e ficou em posição de sentido. Sir Rodney soltou o colarinho de Will. O aprendiz de arqueiro caiu no chão como um saco de batatas e logo ficou em posição de sentido também.
— Dois aprendizes brigando feito desordeiros e estragando o feriado sir Rodney — disse zangado. — E, para piorar as coisas, um deles é meu aprendiz!
Will e Horace estavam de olhos baixos, incapazes de encarar o rosto furioso do mestre de guerra.
— Muito bem, Horace, o que está acontecendo aqui?
Horace se remexeu inquieto e ficou vermelho. Ele não respondeu. Sir Rodney olhou para Will.
— Certo, então você, garoto dos arqueiros! O que foi tudo isso?
— Só uma briga, senhor — Will murmurou depois de hesitar um pouco.
— Isso eu estou vendo! — o mestre de guerra berrou. — Não sou idiota, sabia?
Ele fez uma pausa e esperou para ver se um dos garotos tinha mais alguma coisa a acrescentar. Os dois ficaram em silêncio. Sir Rodney suspirou exasperado.
— Garotos! Se eles não estão debaixo da sua vista, brigam! E, se não estão brigando, estão roubando ou quebrando alguma coisa. Muito bem — ele disse finalmente. — A briga acabou. Agora, apertem as mãos e esqueçam o assunto.
Ele fez uma pausa e, como nenhum dos meninos tomou a iniciativa, rugiu com sua voz retumbante:
— Façam o que mandei!
Estimulados a tomar uma atitude, porém relutantes, Will e Horace apertaram as mãos. Mas, assim que Will olhou nos olhos do colega, viu que a questão estava longe de ser resolvida.
“Nós vamos terminar isso outra hora”, dizia o olhar zangado de Horace.
“Quando você quiser”, os olhos do aprendiz de arqueiro responderam.

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