quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Capitulo 13 - Rangers Ordem dos Arqueiros VOL 1


— Então, você viu o que aconteceu. O que achou? — sir Rodney perguntou.
Karel estendeu a mão e tornou a encher sua caneca com cerveja da jarra que estava na mesa entre eles. Os aposentos de Rodney eram bem simples, quando se pensava que ele era o chefe da Escola de Guerra. Mestres de guerra em outros feudos tiravam vantagem da posição para se cercar de comodidades e luxo, mas esse não era o estilo de Rodney.
O seu quarto era mobiliado com simplicidade: uma mesa de pinho no lugar da escrivaninha, cercada por seis cadeiras também de pinho, de encosto reto. Num canto, é claro, havia uma lareira. Rodney preferia viver com simplicidade, mas isso não queria dizer que gostasse de desconforto, e os invernos no castelo Redmont eram frios.
Eles estavam no final do verão, e as grossas paredes de pedra dos prédios do castelo serviam para manter o frescor do interior. Quando o frio chegava, essas mesmas paredes grossas retinham o calor do fogo. Em uma delas, uma grande janela com sacada se abria para o campo de treinamento da Escola de Guerra. De frente para a janela, na parede oposta, havia um vão de porta coberto por uma cortina grossa que levava para o quarto de dormir de Rodney, onde havia uma simples cama de soldado e móveis de madeira. Quando a esposa, Antoinette, ainda estava viva, o local era mais decorado, mas ela tinha morrido alguns anos antes, e os quartos agora tinham um toque inconfundivelmente masculino, sem qualquer objeto que não fosse útil e sem nenhum enfeite.
— Sim, eu vi — Karel concordou. — Não sei se acreditei, mas vi.
— Você só o viu uma vez — Rodney disse. — Ele fez isso várias vezes durante toda a sessão, e estou convencido de que o fez inconscientemente.
— Tão depressa quanto aquele que eu vi? — Karel perguntou, e Rodney assentiu energicamente.
— Quem sabe, até mais depressa. Ele adicionou um golpe extra à rotina, mas acompanhou o ritmo do exercício — ele hesitou e finalmente disse o que os dois estavam pensando: — O garoto tem um dom natural.
Karel inclinou a cabeça pensativo. Com base no que tinha visto, não estava preparado para contestar o fato. E sabia que o mestre de Guerra tinha observado o garoto por algum tempo durante o treino. Mas garotos com vocação eram poucos e demoravam a aparecer. Eles eram aquelas pessoas especiais para quem a habilidade com a espada funcionava numa dimensão totalmente diferente.
Era mais um instinto do que uma habilidade. Esses eram os que se tornavam campeões. Os mestres da espada. Guerreiros experientes como sir Rodney e sir Karel eram espadachins hábeis, mas aqueles com vocação levavam a técnica para outro plano. Era como se para eles a espada nas mãos se tornasse uma real extensão não só de seus corpos, mas também de suas personalidades. A espada parecia atuar em comunhão e em harmonia instantânea com a mente do espadachim, agindo até mais rápido do que o pensamento consciente. Os que tinham o dom possuíam habilidades únicas no que se referia à velocidade, ao equilíbrio e ao ritmo.
Assim sendo, representavam uma grande responsabilidade para os que estavam envolvidos com seu treinamento, pois essas habilidades e técnicas inatas tinham que ser cuidadosamente alimentadas e desenvolvidas em programas de treinamento para que o guerreiro, já muito eficiente naturalmente, desenvolvesse o seu verdadeiro potencial de genialidade.
— Tem certeza? — Karel disse por fim, e Rodney assentiu outra vez, olhando pela janela.
Em pensamento, ele via o treino do garoto e seus movimentos adicionais rápidos como um raio.
— Tenho — ele disse simplesmente. — Vamos ter que dizer a Wallace que ele vai ter outro aluno no próximo semestre.
Wallace era o mestre espadachim da Escola de Guerra Redmont e tinha a responsabilidade de dar o polimento final nas habilidades básicas que Karel e os outros ensinavam. No caso de um aluno brilhante como Horace, evidentemente era ele daria aulas particulares de técnicas avançadas. Karel refletiu sobre o prazo que Rodney tinha sugerido.
— Só depois disso? — ele perguntou. Faltavam ainda quase três meses para o semestre seguinte. — Por que não imediatamente? Pelo que vi, ele já domina as técnicas básicas.
Mas Rodney sacudiu a cabeça.
— Ainda não avaliamos a personalidade — retrucou. — Ele parece um bom garoto, mas nunca se sabe. Se se mostrar desajustado, não quero lhe dar o tipo de instrução avançada que Wallace pode oferecer.
Quando pensou a respeito, Karel concordou com o mestre de Guerra. Afinal, caso Horace tivesse de ser dispensado da Escola de Guerra por causa de alguma outra falha, seria embaraçoso e até perigoso se ele já estivesse no caminho de ser um espadachim altamente qualificado. Muitas vezes, alunos dispensados reagiam com ressentimento.
— E tem outra coisa — Rodney acrescentou. —Vamos manter esta conversa entre nós e dizer a mesma coisa a Morton. Não quero que o garoto escute nada sobre isso ainda. Ele pode ficar convencido, e isso pode ser perigoso para ele.
— Tem toda a razão — Karel concordou. Ele terminou a cerveja em dois goles rápidos, colocou a caneca na mesa e se levantou. — Bem, acho melhor ir. Tenho uns relatórios para acabar.
— E quem não tem? — perguntou o mestre de guerra com cansaço, e os dois velhos amigos trocaram sorrisos pesarosos. — Nunca imaginei que dirigir a Escola de Guerra envolvesse tanta papelada — Rodney comentou, fazendo Karel rir.
— Às vezes, acho que deveríamos esquecer o treinamento com armas e simplesmente jogar toda a papelada sobre o inimigo e enterrar ele nela.
Ele fez uma saudação informal, apenas tocando a testa com o dedo indicador, como mostra de respeito. Então se virou e se dirigiu para a porta. Parou quando
Rodney acrescentou um último ponto à discussão.
— Fique de olho no garoto. Mas não deixe que ele perceba.
— Claro — Karel respondeu. — Não queremos que comece a pensar que tem alguma coisa de especial.


Naquele momento, não havia a menor possibilidade de Horace imaginar que tinha algo de especial, pelo menos não num sentido positivo. O que ele realmente sentia era que tinha o dom de atrair problemas.
As pessoas estavam falando sobre a estranha cena que tinha acontecido na área de exercícios. Seus colegas, sem entender o que tinha ocorrido, haviam presumido que, de alguma forma, Horace aborrecera o mestre de guerra e agora esperava pelo inevitável castigo. Eles sabiam que a regra durante o 1° semestre era que, quando um membro da classe cometesse um erro, toda a classe pagaria por ele. Como resultado, o clima no dormitório estava, no mínimo, tenso. Horace tinha saído do quarto com intenção de ir até o rio para escapar à condenação e a críticas, que podia sentir no rosto dos outros. Infelizmente, quando fez isso, foi direto para os braços de Alda, Bryn e Jerome.
Os três garotos mais velhos tinham ouvido uma versão distorcida da cena na quadra de treinamento. Eles imaginaram que Horace tinha sido criticado por seus exercícios com a espada e decidiram fazê-lo sofrer por isso. Entretanto, sabiam que suas atitudes não seriam aprovadas pelos funcionários da Escola de Guerra. Horace, como recém-chegado, não tinha como saber que esse tipo de ataque sistemático era totalmente condenado por sir Rodney e pelos outros instrutores. Simplesmente pressupôs que as coisas tinham que ser assim e, sem ter noção do que acontecia, permitiu-se ser atacado e insultado. Foi por esse motivo que os três cadetes do 2° ano fizeram Horace marchar até a margem do rio, para onde ele ia de qualquer jeito, para longe da vista dos instrutores.
Ali, fizeram que ele entrasse no rio até que a água batesse na altura da sua coxa e ficasse em posição de sentido.
— O bebê não sabe usar a espada — disse Alda.
— O bebê deixou o mestre de guerra zangado — Brian acrescentou, usando o mesmo refrão. — O lugar do bebê não é na Escola de Guerra, bebês não devem brincar com espadas.
— O bebê devia jogar pedras, em vez disso — Jerome concluiu com sarcasmo. — Pegue uma pedra, bebê.
Horace hesitou e então olhou à sua volta. A margem do rio estava cheia de pedras, e ele se inclinou para pegar uma. Quando fez isso, a manga e a parte superior de sua jaqueta ficaram encharcadas.
— Uma pedra pequena, não, bebê — Alda disse sorrindo maldosamente para ele. — Você é um bebezão, então precisa de uma pedra grande.
— Uma pedra muito grande — Bryn acrescentou, mostrando com as mãos que ele queria que Horace apanhasse uma pedra enorme.
Horace olhou ao redor e viu várias pedras maiores na água cristalina. Ele se abaixou e pegou uma delas. Ao fazer isso, cometeu um erro. Dentro da água, foi fácil levantar a pedra que escolheu, mas, quando a trouxe acima da superfície, mal suportou o peso.
— Vamos ver, bebê — Jerome disse. — Levante-a.
Horace apoiou os pés no chão com firmeza. A corrente rápida do rio não o deixava manter o equilíbrio e segurar a pedra pesada ao mesmo tempo, então ele a levantou até a altura do peito para que seus atormentadores pudessem vê-la.
— Mais alto, bebê — Alda ordenou. — Acima da cabeça.
Sofrendo, Horace obedeceu. A pedra parecia pesar mais a cada segundo que passava, mas ele a levantou acima da cabeça, e os três garotos ficaram satisfeitos.
— Muito bom, bebê — Jerome elogiou, e Horace, com um suspiro de alívio, começou a abaixar a pedra.
— O que está fazendo? — Jerome perguntou zangado. — Eu disse que está bom. Isso quer dizer que é aí que a pedra deve ficar.
Horace se esforçou e levantou a pedra acima da cabeça outra vez, estendendo os braços. Alda, Bryn e Jerome fizeram um gesto de aprovação.
— Agora você pode ficar aí e contar até 500 — Alda disse. — Depois pode voltar ao dormitório.
— Comece a contar — Bryn mandou, rindo da ideia.
— Um, dois, três... — Horace começou, mas todos gritaram com ele quase imediatamente.
— Não tão depressa, bebê! Devagar e sempre. Comece de novo.
— Um... dois... três... — Horace contou e eles aprovaram.
— Assim está melhor. Agora, conte devagar até 500 e depois pode ir — Alda disse.
— Não tente nos enganar, porque vamos descobrir — Jerome ameaçou. — E então você vai ter que voltar aqui e contar até mil.
Rindo, os três estudantes voltaram para os seus dormitórios. Horace ficou no meio do rio com os braços tremendo por causa do peso da pedra e com lágrimas de frustração e humilhação enchendo seus olhos. Num determinado momento, ele perdeu o equilíbrio e caiu na água. Depois disso, suas roupas pesadas e encharcadas dificultaram ainda mais a tarefa de segurar a pedra acima da cabeça, mas ele não desistiu. Não tinha certeza de que os garotos não estavam escondidos em algum lugar, vigiando-o e, se estivessem, eles o fariam pagar por desobedecer a suas ordens.
“Se é assim que as coisas têm que acontecer, então que sejam,” ele pensou. Mas prometeu a si mesmo que, na primeira oportunidade que tivesse, faria alguém pagar pela humilhação que estava passando.
Muito mais tarde, com as roupas ensopadas, os braços doloridos e um profundo ressentimento queimando seu coração, voltou ao dormitório às escondidas. Ele chegou tarde demais para o jantar, mas não se importou. Estava sofrendo demais para comer.

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