quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Capítulo 2 - AC Cruzada Secreta

Primeiro, o vigia percebeu as aves.
Um exército em movimento atrai comedores de carniça. Principalmente do tipo que tem asas, que mergulha sobre qualquer resto deixado para trás: comida, dejetos e carcaças, tanto de cavalo quanto humana. Em seguida, ele viu a poeira. E então uma vasta mancha escura surgiu no horizonte, projetando-se à frente aos poucos, tragando tudo que estava à vista. Um exército ocupa, rompe e destrói a paisagem; é uma besta-fera gigante e faminta que consome tudo em seu caminho e, na maioria dos casos — como Salah Al’din estava bem ciente —, a mera visão dela era o bastante para levar o inimigo a se render.
Não dessa vez, porém. Não quando seus inimigos eram os Assassinos.
Para a campanha, o líder sarraceno convocara uma modesta força de dez mil soldados de infantaria, cavalaria e seguidores. Com eles, planejava esmagar os Assassinos, que já haviam cometido dois atentados à sua vida e certamente não fracassariam uma terceira vez. Pretendendo levar a batalha para a porta deles, o sarraceno conduziu seu exército para as montanhas de An-Nusayriyah e às nove cidadelas dos Assassinos que havia lá.
Chegaram mensagens a Masyaf de que os homens de Salah Al’din tinham saqueado a zona rural, mas que nenhum dos fortes havia sucumbido. E que Salah Al’din estava a caminho de Masyaf com a pretensão de conquistá-la e reivindicar a cabeça do líder Assassino, Al Mualim.
Salah Al’din era considerado um líder brando e imparcial, mas se enfurecia com os Assassinos tanto quanto se intimidava. Segundo os relatos, seu tio, Shihab Al’din, o aconselhou a oferecer um acordo de paz. Ter os Assassinos a seu lado, e não contra, era o raciocínio de Shihab. Mas o vingativo sultão não se comoveu, e foi assim que seu exército fervilhou em direção a Masyaf em um radiante dia de agosto de 1176, e um vigia na torre de defesa da cidadela avistou as revoadas de pássaros, as grandes nuvens de poeira e a mancha negra no horizonte, e levou uma corneta aos lábios, soando o alarme.
Depois de estocar suprimentos, a população da cidade se mudou para a segurança da cidadela, apinhando-se nos pátios com os rostos marcados pelo medo, mas muitos deles montavam barracas para continuar a negociar. Enquanto isso, os Assassinos começaram a fortificar o castelo, preparando-se para enfrentar o exército, observando a mancha se estender pela bela paisagem verde, a grande besta-fera alimentando-se do terreno, colonizando o horizonte.
Eles ouviram as cornetas, os tambores e címbalos. E em pouco tempo conseguiram distinguir as figuras à medida que se materializavam do mormaço: milhares delas, eles viram. A infantaria: lanceiros, arremessadores de dardos e arqueiros, armênios, núbios e árabes. A cavalaria: árabes, turcos e mamelucos portando sabres, maças, lanças e espadas longas, alguns usando cotas de malha de ferro, outros, armaduras de couro. Viram as liteiras das mulheres da nobreza, os homens santos e os desordenados seguidores na retaguarda: as famílias, as crianças e os escravos. Eles viram quando os guerreiros invasores alcançaram a defesa externa e a incendiaram, e os estábulos também, com as cornetas ainda ressoando, os címbalos estrepitando. No interior da cidadela, as
mulheres da aldeia começaram a chorar. Previam que suas casas seriam os próximos alvos das tochas. As edificações, porém, foram deixadas intocadas e, em vez disso, o exército parou na aldeia, dando pouca atenção ao castelo — ou assim parecia.
Não mandaram nenhum enviado, nenhuma mensagem; simplesmente montaram acampamento. A maioria das tendas era negra, mas, no meio do acampamento, havia um punhado de pavilhões maiores, os aposentos do grande sultão Salah Al’din e de seus generais mais próximos. Ali, bandeiras bordadas esvoaçavam; as pontas das estacas das tendas eram romãs douradas, e as coberturas dos pavilhões eram de seda colorida.
Na cidadela, os Assassinos meditavam sobre a tática do inimigo. Salah Al’din atacaria a fortaleza ou tentaria matá-los de fome? Com o cair da noite, tiveram a resposta. Abaixo deles, o exército começou a agir, reunindo os mecanismos de cerco. Fogueiras queimaram durante a noite toda. Os sons de serras e martelos se avolumavam nos ouvidos daqueles que guarneciam os bastiões da cidadela e a torre do Mestre, onde Al Mualim convocou uma reunião com seus Mestres Assassinos.
— Salah Al’din nos foi entregue — declarou Faheem al-Sayf, um Mestre Assassino. — Esta é uma oportunidade que não pode ser desperdiçada.
Al Mualim pensou. Olhou pela janela da torre, pensando no colorido pavilhão no qual Salah Al’din estava então sentado planejando sua queda — e a dos Assassinos. Pensou no grande exército do sultão e em como ele tinha devastado a zona rural. Como o sultão seria mais do que capaz de
reunir uma tropa ainda maior se sua campanha fracassasse.
Salah Al’din tinha um poder incomparável, meditou ele. Mas os Assassinos... eles tinham astúcia.
— Com Salah Al’din morto, os exércitos sarracenos irão ruir — afirmou Faheem.
Mas Al Mualim balançava a cabeça.
— Creio que não. Shihab tomará seu lugar.
— Ele é metade do líder que Salah Al’din é.
— Então ele seria menos eficaz repelindo os cristãos — rebateu Al Mualim, bruscamente.
Ele às vezes se cansava dos modos manhosos de Faheem. — Desejamos ficar à mercê deles? Desejamos nos tornar a contragosto seus aliados contra o sultão? Somos os Assassinos, Faheem. Nosso propósito é nosso. Não pertencemos a ninguém.
O silêncio caiu sobre o aposento de odor adocicado.
— Salah Al’din é tão cauteloso com a gente quanto somos com ele — disse Mualim, após uma reflexão. — Devemos cuidar para que ele se torne ainda mais cauteloso.
Na manhã seguinte, os sarracenos empurraram um aríete e uma torre de cerco encosta principal acima. E, enquanto os arqueiros montados dos turcos abriam caminho, levando uma chuva de flechas à cidadela, os soldados atacavam as muralhas externas com suas armas de cerco, sob fogo constante dos arqueiros Assassinos e com pedras e óleo sendo despejados das torres de defesa. Aldeões se juntaram à batalha, atirando, dos bastiões, pedras nos inimigos e apagando os incêndios.
Nos portões principais, corajosos Assassinos faziam ataques pelas portinholas, combatendo a infantaria que tentava derrubá-los a fogo. O dia terminou com muitos mortos em ambos os lados, mas com os sarracenos recuando colina abaixo, acendendo suas fogueiras para a noite, consertando suas armas de cerco e montando outras mais.
Naquela noite, houve uma intensa agitação no acampamento e, pela manhã, o enorme pavilhão de cores brilhantes do grande Salah Al’din foi derrubado e ele partiu, levando consigo uma pequena tropa de guarda-costas.

Logo depois, seu tio, Shihab Al’din, subiu a encosta para se dirigir ao Mestre dos Assassinos.

Capítulo 1 - AC Cruzada Secreta

19 de junho de 1257

Maffeo e eu permanecemos em Masyaf e continuaremos aqui por enquanto. Pelo menos até uma ou duas — como posso dizer? — incertezas serem resolvidas. Enquanto isso, estamos sob as ordens do Mestre, Altaïr Ibn-La’Ahad. Frustrado por ceder o domínio dos nossos destinos desse modo, principalmente para o líder da Ordem, o qual em sua idade avançada maneja a ambiguidade com a mesma precisão cruel com que outrora manejava espadas e adagas, eu pelo menos tenho o benefício de compartilhar de suas histórias. Maffeo, no entanto, não possui tal vantagem e tem ficado cada vez mais inquieto. É compreensível. Está cansado de Masyaf. Não gosta de percorrer as encostas íngremes entre a fortaleza do Assassino e a aldeia abaixo, e o terreno montanhoso é pouco atraente para ele. Maffeo diz que é um Polo, e após seis meses aqui, o desejo de viajar é como o chamado de uma mulher cheia de curvas: persuasivo e tentador demais para ser ignorado. Ele anseia por estufar as velas e partir para novas terras, deixando Masyaf para trás.
Falando muito francamente, sua impaciência é um tormento sem o qual posso viver. Altaïr está à beira de fazer um pronunciamento. Posso sentir isso.
Então, hoje declarei: — Maffeo, vou te contar uma história.
Que modos os desse homem. Somos realmente parentes?, pergunto a você. Eu começo a duvidar. Pois, em vez de receber essa notícia com um entusiasmo que claramente se justificaria, poderia jurar que o ouvi bufar (ou talvez deva acreditar que ele podia simplesmente estar sem ar por causa do sol quente), antes de me pedir em um tom bastante exasperado: — Antes que me conte, Niccolò, você se importaria em me dizer do que se trata?
No entanto, continuei: — Essa é uma boa pergunta, irmão — respondi, e pensei um pouco sobre o assunto enquanto seguíamos nosso caminho, subindo pela terrível encosta.
Acima de nós a cidadela pairava sombriamente no promontório, como se tivesse sido talhada no próprio calcário. Eu tinha decidido que queria o cenário perfeito para contar minha história, e não havia lugar mais apropriado do que a fortaleza de Masyaf. Um castelo imponente com muitas torres e cercado por rios reluzentes, que ocupava uma posição de destaque diante da movimentada aldeia abaixo, o assentamento em um ponto alto dentro do Vale do Orontes. Um oásis de paz. Um paraíso.
— Eu diria que é sobre conhecimento — decidi finalmente. — Assasseen, como sabe,
representa “guardião” em árabe; os Assassinos são os guardiães dos segredos, e os segredos que guardam são de conhecimento, portanto, sim... — Sem dúvida pareci muito satisfeito comigo mesmo — É sobre conhecimento.
— Então receio ter um compromisso.
— Ah?
— Eu com certeza acolheria muito bem uma distração dos meus estudos, Niccolò. Mas não desejo um aumento deles.
Sorri.
— Certamente quer ouvir as histórias que me foram contadas pelo Mestre.
— Isso depende. O seu discurso faz com que elas soem menos do que interessantes. Sabe quando você diz que tenho tendência a gostar mais de crueldade nas histórias que você me conta?
— Sim.
Maffeo deu um meio sorriso.
— Bom, tem razão, tendo mesmo.
— Então terá isso também. Afinal, são os relatos do grande Altaïr Ibn-La’Ahad. Essa é a história da vida dele, irmão. Acredite em mim, não vão faltar acontecimentos, e muitos deles, você ficará feliz em perceber, têm derramamento de sangue.
Agora tínhamos subido o antemuro para a parte externa da fortaleza. Passamos por baixo da arcada e atravessamos o posto de guarda, subindo novamente ao irmos em direção ao castelo no interior. Adiante de nós estava a torre na qual ficava os aposentos de Altaïr. Por semanas eu o visitei ali e passei incontáveis horas ao seu lado, extasiado, enquanto ele se sentava com as mãos entrelaçadas e os cotovelos sobre os braços da cadeira alta contando suas histórias, com os velhos olhos mal podendo ser vistos sob o capuz. E cada vez mais me dava conta de que aquelas histórias estavam sendo contadas para mim com um propósito. Que, por algum motivo, ainda incompreensível para mim, eu fora escolhido para ouvi-las.
Quando não contava as histórias, Altaïr refletia entre livros e lembranças, às vezes olhando fixamente por longas horas para fora da janela da sua torre. Ele agora devia estar lá, pensei, e enganchei o polegar sob a faixa do meu gorro, o puxando de volta e sombreando os olhos para enxergar a torre acima, não vendo nada além da pedra descorada pelo sol.
— Temos uma audiência com ele? — Maffeo interrompeu meus pensamentos.
— Não, hoje não — respondi, apontando então para uma torre à nossa direita. —Vamos lá para cima...
Maffeo franziu a testa. A torre de defesa era uma das mais altas da cidadela, e era alcançada por uma série de vertiginosas escadas, muitas das quais parecendo precisar de reparos. Mas eu era insistente e enfiei a túnica no cinto, conduzindo em seguida Maffeo acima para o primeiro nível, depois para o seguinte e finalmente ao topo. De lá avistamos toda a zona rural. Quilômetros e quilômetros de terreno escarpado. Rios como veias. Agrupamentos de povoados. Olhamos para Masyaf: da fortaleza para as edificações e os mercados da vasta aldeia lá embaixo, a paliçada de madeira da defesa externa e do estábulo.
— O quão alto estamos? — perguntou Maffeo, parecendo um pouco nauseado, sem dúvida consciente de estar sendo esmurrado pelo vento e de que agora o chão parecia muito, muito distante.
— Uns oitenta metros — respondi. — Alto o bastante para deixar os Assassinos fora do alcance de arqueiros inimigos... mas o bastante também para permitir que façam chover flechas e muito mais sobre eles. Mostrei a ele as aberturas que nos cercavam por todos os lados.
— Daqui, dos balestreiros, eles poderiam jogar pedras ou óleo sobre o inimigo, usando estas... — Plataformas de madeira se projetavam para fora e nos movíamos agora por uma delas segurando em apoios verticais de ambos os lados e nos inclinando para olhar para baixo. Diretamente sob nós, a torre precipitava-se na borda do despenhadeiro. Ainda mais abaixo, estava o rio reluzente.
Com o sangue sendo drenado do rosto, Maffeo recuou para a segurança do chão da torre. Eu ri, fazendo o mesmo (e no íntimo contente por fazer isso, já que eu mesmo me sentia um pouco tonto e enjoado, verdade seja dita).
— E por que você nos trouxe até aqui? — perguntou Maffeo.
— É onde minha história começa — falei. — De mais de um jeito. Pois foi daqui que o vigia viu a força invasora pela primeira vez.
— Força invasora?
— Sim. O exército de Salah Al’din, também conhecido como Saladino. Ele veio fazer o cerco a Masyaf, para derrotar os Assassinos. Oitenta anos atrás, em um dia claro de agosto. Um dia muito parecido com o de hoje...

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Prólogo - AC Cruzada Secreta

O majestoso navio rangia e gemia; as velas estavam abauladas, enfunadas pelo vento. Há dias longe da terra, ele repartia o oceano em direção à grande cidade do oeste, levando uma carga preciosa: um homem — um homem que a tripulação conhecia apenas como o Mestre.
Estava entre eles agora, sozinho no convés do castelo de proa, onde baixara o capuz do manto para deixar que a água do mar batesse no corpo, sentindo-a com o rosto contra o vento. Ele fazia isso uma vez por dia. Saía de sua cabine e subia para caminhar pelo convés, escolhia um local para contemplar o mar, então voltava para baixo. Às vezes ficava no convés do castelo de proa, às vezes no convés do tombadilho. Sempre encarava o mar cristado de branco.
Todos os dias a tripulação o observava. Eles trabalhavam, chamando uns aos outros no convés e no cordame, cada qual com um serviço a fazer enquanto a todo momento furtavam olhares à figura solitária e pensativa. E eles se perguntavam “Que tipo de homem era ele?”, “Que tipo de homem estava em meio a eles?”.
Agora o estudavam discretamente, enquanto o homem se afastava da balaustrada do convés e colocava o capuz. Ele permaneceu ali por um momento com a cabeça baixa, os braços soltos próximos ao corpo, enquanto a tripulação o observava. Alguns talvez até mesmo tenham empalidecido quando ele caminhou ao longo do convés, passou por eles e voltou para sua cabine. E
quando a porta se fechou às suas costas, cada um dos homens descobriu que estivera prendendo a respiração.
Lá dentro, o Assassino voltou à sua escrivaninha e sentou-se, enchendo uma taça de vinho antes de pegar um livro e puxá-lo em sua direção. Então o abriu. E começou a ler.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Rangers Ordem dos Arqueiros

Will é um garoto magro e pequeno, aprendiz de arqueiro. Aprendeu a usar perfeitamente as ferramentas de trabalho de todo arqueiro: o arco, as flechas, a faca de caça e a de atirar, sua capa camuflada e seu pequeno cavalo, Puxão. Junto com Halt, Horace e muitos amigos, Will enfrenta diversas aventuras, e descobre que ser arqueiro é uma grande responsabilidade.

Rangers Ordem dos Arqueiros VOL 2

Nos últimos quinze anos, o temível Morgarath conseguiu reunir um enorme exército de criaturas implacáveis, os Wargals. Eles não temem nenhum inimigo e são controlados mentalmente pelo próprio Morgarath, o Senhor da Chuva e da Noite.
Pego de surpresa, o Reino de Araluen se vê diante de uma guerra. Enviado em uma perigosa missão para impedir o confronto, o jovem arqueiro Will parte acompanhado do grande amigo e espadachim Horace e do habilidoso Gillan. Os três guerreiros contarão também com a inusitada ajuda da misteriosa e bela criada Evanlyn Wheeler. Nessa jornada, Will colocará à prova todos os ensinamentos de coragem e aptidão transmitidos pelo seu mestre, o famoso arqueiro Halt.
Mas o que o jovem não imagina é que ficará frente a frente com o tenebroso Morgarath e que poderá ser o responsável por mudar o rumo da eminente batalha. Será mais um teste de coragem e determinação, em que Will terá de provar seu valor.

Mapa - Rangers Ordem dos Arqueiros VOL 2


Capitulo 32 - Rangers Ordem dos Arqueiros VOL 2

O que tinha sido, alguns minutos antes, um campo de batalha, agora tinha se transformado em confusão. O e-xército Wargal, livre instantaneamente do controle mental de Morgarath, vagueava sem rumo, esperando que alguma força lhe dissesse o que fazer em seguida. Toda a agressi-vidade os tinha deixado, e a maioria simplesmente largou as armas e partiu. Outros se sentaram e cantaram em voz baixa para si mesmos. Sem a orientação de Morgarath, pareciam crianças pequenas.
O grupo que tentava escapar pelo Desfiladeiro dos Três Passos agora estava parado em silêncio e imóvel, es-perando pacientemente que os da frente abrissem cami-nho.
Duncan examinava a cena atordoado.
— Vamos precisar de um exército de cães pastores para reunir essa turma — ele disse ao barão Arald e fez o conselheiro sorrir.
— É melhor do que tudo o que tivemos que en-frentar, meu senhor — ele disse, e Duncan teve que con-cordar.
O pequeno círculo de tenentes de Morgarath era uma questão diferente. Alguns foram capturados, mas ou-tros tinham fugido para a região deserta dos pântanos. Crowley, o comandante do Corpo de Arqueiros, ficou de-sanimado quando se deu conta de que ele e seus homens iriam passar vários dias, longos e duros, sobre a sela. Ele teria que organizar uma força-tarefa e enviar arqueiros pa-ra caçar os tenentes de Morgarath e trazê-los de volta para enfrentar a justiça do rei. “É sempre assim”, ele pensou aborrecido. Enquanto todos os outros podiam sentar e relaxar, o trabalho dos arqueiros continuava sem parar.
Horace, cheio de hematomas, marcas e sangue, ti-nha sido levado para a barraca do rei para ser tratado. Ele estava muito ferido depois do salto louco para debaixo dos cascos do cavalo de batalha. Tinha vários ossos que-brados, e uma orelha sangrava. Mas, para surpresa de to-dos, nenhum dos ferimentos era fatal, e o curandeiro do rei, que o tinha examinado imediatamente, estava confi-ante de que ele iria se recuperar totalmente.
Sir Rodney tinha corrido até o campo quando os ajudantes se preparavam para levar o garoto. Parado junto do aprendiz, ele tremia de raiva.
— Que diabos você pensou que estava fazendo? — ele rugiu fazendo Horace se encolher. — Quem lhe disse para desafiar Morgarath? Você não passa de um aprendiz, garoto, e muito desobediente, por sinal!
Horace se perguntou se os gritos iam continuar por muito tempo. E ele quase desejou voltar a enfrentar Mor-
garath. Estava atordoado, doente e tonto, e o rosto ver-melho e zangado de sir Rodney surgia e desaparecia na sua frente. As palavras do mestre de guerra pareciam saltar de um lado para outro de seu cérebro, e ele não tinha certeza de por que o homem gritava tanto. Talvez Morgarath ain-da estivesse vivo e, ao pensar nessa possibilidade, ele ten-tou se levantar.
No mesmo instante, a expressão de Rodney mudou e ele pareceu preocupado. Gentilmente, impediu o apren-diz ferido de se levantar, inclinando-se e apertando a mão do garoto com firmeza.
— Descanse, garoto — ele recomendou. — Você fez muita coisa hoje. Você se saiu muito bem.
Enquanto isso, Halt abria caminho entre os inde-fesos Wargals. Eles se afastavam para o lado sem nenhu-ma resistência ou ressentimento enquanto ele procurava desesperadamente Will.
Mas não havia sinal do garoto nem da filha do rei. Depois de ouvir os insultos de Morgarath, o rei e os ou-tros tinham se dado conta de que, se Will ainda estava vi-vo, havia uma chance de que Cassandra, que era o verda-deiro nome de Evanlyn, também tivesse sobrevivido. O fato de Morgarath não ter mencionado a moça indicava que sua identidade ainda era segredo. Halt imaginou que esse fora o motivo pelo qual ela tinha assumido a identi-
dade da criada. Ao fazer isso, tinha evitado que Morgarath soubesse o poder que tinha nas mãos.
Impaciente, ele empurrou outro grupo de Wargals silenciosos e parou ao ouvir um choro fraco.
Um escandinavo, quase morto, estava sentado, re-costado no tronco de uma árvore. Ele tinha escorregado para o chão. Suas pernas estavam estendidas na poeira e sua cabeça caía fracamente para o lado. Uma grande mancha de sangue marcava um lado do colete de pele de carneiro. Uma pesada espada estava ao seu lado, a mão fraca demais para continuar a segurá-la.
Ele fez uma débil tentativa de pegá-la e pediu ajuda a Halt com o olhar. Nordel, cada vez mais fraco, tinha soltado a arma sem querer. Debilitado, quase cego e sa-bendo estar perto da morte, ele não conseguia achá-la. Halt se ajoelhou ao seu lado. Ele percebeu que o homem não representava perigo, pois estava muito mal para tentar qualquer truque. Halt pegou a espada e a colocou no colo do homem, pondo as mãos dele no punho revestido de couro.
— Obrigado... amigo... — Nordel disse ofegando fracamente. Halt respondeu com um gesto triste. Ele ad-mirava os escandinavos como guerreiros e o aborrecia ver um deles naquela situação, tão fraco que não conseguia segurar a arma. O arqueiro sabia o que isso significava pa-ra os guerreiros do mar. Ele se levantou devagar e come-çou a se virar, mas parou.
Horace tinha dito que Will e Evanlyn tinham sido levados por um pequeno grupo de escandinavos. Talvez aquele homem soubesse alguma coisa. Ele se ajoelhou novamente, pôs a mão no rosto do homem e o virou para si.
— O menino — ele disse ansioso, pois sabia que tinha apenas alguns minutos. — Onde ele está?
Nordel franziu a testa. As palavras despertaram uma lembrança em sua mente, mas tudo o que tinha a-contecido parecia muito distante e sem importância.
— Menino... ? — ele repetiu com a voz rouca.
Halt não conseguiu se conter e sacudiu o homem agonizante.
— Will! — ele disse com o rosto a somente alguns centímetros de distância do do homem. — Um arqueiro. Um garoto. Onde ele está?
Uma breve luz de compreensão brilhou nos olhos de Nordel quando ele se lembrou do menino. Ele tinha admirado sua coragem. Admirado a forma como os tinha mantido a distância na ponte. Sem perceber, pronunciou as duas últimas palavras.
— Na ponte... — ele sussurrou, e Halt o sacudiu de novo.
— Sim! O menino na ponte! Onde ele está?
Nordel olhou para ele. Havia uma coisa que tinha que lembrar. Ele sabia que era importante para esse es-tranho de expressão zangada e queria ajudar. Afinal, o es-
tranho o tinha ajudado a encontrar sua espada. Ele se lembrou do que era.
— ...foi embora — conseguiu dizer finalmente.
Ele gostaria que o estranho não o sacudisse. Não sentia nenhuma dor, pois não conseguia sentir mais nada. Mas o gesto o acordava do sono quente e suave em que estava mergulhando. O rosto barbado estava bem longe dele agora, no fim de um túnel. A voz ecoava até ele atra-vés do túnel.
— Embora para onde?
Ele ouviu o eco. Ele gostava do eco. Fazia lembrar o... algum fato da infância.
— Onde-onde-onde? — o eco repetiu e então o homem lembrou.
— Os pântanos — ele disse. — Pelos pântanos até os navios.
Ele sorriu quando disse isso. Queria ajudar o es-tranho e tinha conseguido. E, desta vez, quando a maciez morna tomou conta dele, o estranho não o sacudiu. Ele ficou satisfeito com isso.
Halt se levantou e se afastou do corpo de Nordel.
— Obrigado, amigo — ele disse apenas.
Correu para onde tinha deixado Abelard pastando calmamente e saltou sobre a sela.
Os pântanos eram um labirinto de capim alto, ter-renos alagadiços e passagens sinuosas de água límpida. Para a maioria das pessoas, eles eram intransponíveis. Um passo em falso poderia fazer que uma pessoa afundasse
rapidamente num dos atoleiros pegajosos de areia move-diça escondidos por todos os lados. Uma vez nos brejos obscuros, era fácil se perder totalmente e vaguear até ser dominado pela exaustão ou ser encontrado pelas veneno-sas cobras-d’água.
Pessoas sensatas evitavam os pântanos. Apenas dois grupos conheciam as trilhas secretas que os atraves-savam: os arqueiros e os escandinavos, que vinham per-correndo a costa há mais tempo do que Halt podia se lembrar.
Mesmo sendo Abelard um cavalo de andar seguro, como todos os animais dos arqueiros, quando Halt entrou nas profundezas do labirinto de capim alto e terreno ala-gadiço, ele desmontou. Os sinais de trilhas seguras eram mínimos e passavam facilmente despercebidos, e ele pre-cisava estar perto do chão para segui-los. Ele não tinha caminhado muito quando começou a ver indícios de que um grupo tinha passado por ali. Halt se animou. Certa-mente eram os escandinavos, com Will e Evanlyn.
Ele apressou o passo e logo pagou o preço por agir assim, perdendo um sinal importante na trilha e acabando mergulhado até o peito numa grossa massa de lama sem fundo. Felizmente, ainda segurava as rédeas de Abelard com firmeza e, a um comando seu, o cavalo robusto o ar-rastou para fora do perigo.
Aquela era outra boa razão para continuar levando o cavalo atrás de si.
Ele voltou para a trilha, determinou sua posição e recomeçou a andar. Apesar de muito agitado pela impaci-ência, obrigou-se a avançar com cuidado. As marcas dei-xadas pelo grupo que tinha passado à sua frente estavam se tornando cada vez mais visíveis. Ele sabia que estava alcançando os escandinavos. A questão era se chegaria até eles a tempo.
Mosquitos e moscas do pântano zumbiam e gemi-am em volta dele. Sem o menor sinal de brisa, o pântano estava abafado e quente, e Halt suava em abundância. Su-as roupas estavam molhadas e encharcadas com aquela lama malcheirosa, e ele tinha perdido uma bota quando Abelard o puxou para fora do poço. Mesmo assim, conti-nuou mancando, aproximando-se mais de seu objetivo a cada passo.
Ao mesmo tempo, sabia que estava chegando ao fim do pantanal. E isso significava que se aproximava da praia em que estavam ancorados os navios dos escandi-navos. Ele tinha que encontrar Will antes que o grupo al-cançasse a praia. Depois que o garoto estivesse num dos navios, estaria perdido para sempre, pois seria levado para o outro lado do Mar das Tormentas Brancas, para a terra fria coberta de neve dos escandinavos, onde seria vendido como escravo e levaria uma vida de trabalho pesado e in-terminável.
Acima do cheiro podre dos pântanos, ele sentiu o perfume fresco de sal no ar. Estava perto do mar! Halt redobrou os esforços, esquecendo-se totalmente da caute-
la enquanto dava tudo de si para alcançar os escandinavos antes que chegassem à água.
O capim já estava rareando, e o chão debaixo de seus pés ficava mais firme a cada passo. Ele começou a correr com o cavalo trotando atrás dele e finalmente che-gou à praia varrida pelo vento.
Uma pequena elevação formada por dunas na sua frente bloqueava a vista para o mar. Ele saltou na sela ra-pidamente e fez Abelard galopar. Eles atravessaram as dunas, o arqueiro inclinado para a frente, colado ao pes-coço do cavalo, impelindo-o a aumentar a velocidade.
Havia um navio ancorado longe da praia. Na beira da água, um grupo de pessoas estava embarcando num pequeno bote e, mesmo aquela distância, Halt reconheceu a pequena figura no meio como o seu aprendiz.
— Will! — ele gritou, mas o vento do mar levou as palavras para longe.
Com as mãos e os joelhos, ele fez que Abelard a-vançasse.
Foi o bater dos cascos que alertou os escandinavos. Erak, com água até a cintura e empurrando com Horak o barco para o fundo da água, olhou sobre o ombro e viu a figura vestida de cinza e verde cavalgando em sua direção.
— Pelas barbas de Netuno! — ele gritou. — Va-mos depressa!
Will, sentado ao lado de Evanlyn no centro do bo-te, se virou quando o escandinavo falou e viu Halt a me-
nos de 200 metros de distância. Ele se levantou tentando manter o equilíbrio precariamente no barco instável.
— Halt! — ele berrou e, no mesmo instante, Sven-gal o atingiu com as costas da mão, fazendo-o cair no fundo da pequena embarcação.
— Fique abaixado! — ele ordenou quando Erak e Horak voltaram para o barco, e os remadores fizeram que atravessasse a primeira linha de ondas.
O vento, que os tinha impedido de ouvir o chama-do de Halt, levou o grito fraco do garoto até os ouvidos do arqueiro. Abelard também o escutou e se esforçou ao máximo, retesando os músculos do corpo e galopando a toda velocidade. Halt não estava segurando as rédeas, pois posicionava uma flecha na corda do arco.
A pleno galope, ele mirou e atirou.
O remador da proa soltou um grunhido de surpresa e caiu de lado sobre a amurada do barco quando a pesada flecha de Halt o atingiu e atravessou seu braço. O barco começou a girar, e Erak disparou para a frente, empur-rando o homem para o lado e assumindo o remo.
— Remem com toda a força! — ordenou. — Se ele chegar perto demais, estaremos todos mortos.
Agora Halt guiava Abelard com os joelhos, fazen-do-o entrar no mar e impelindo-o para a frente para tentar alcançar o bote. Ele atirou novamente, mas a distância era grande e o alvo estava se levantando e abaixando ao sabor das ondas. Além disso, Halt não podia atirar perto do centro da embarcação, pois tinha receio de atingir Will ou
Evanlyn. Sua melhor chance seria se aproximar o bastante para atirar com facilidade e atingir um remador de cada vez.
Halt atirou novamente, e a flecha entrou no fundo das tábuas do bote, a poucos centímetros da mão de Ho-rak, na popa. Ele puxou a mão com um movimento vio-lento, como se tivesse sido queimado, e gritou de surpre-sa. Então se encolheu quando outra flecha passou assobi-ando e caiu na água atrás do barco a menos de 30 centí-metros de distância.
Mas agora o bote estava se afastando, pois Abelard, com o peito mergulhado nas ondas, não podia mais man-ter a mesma velocidade. O cavalo se esforçava valente-mente dentro da água, mas o barco flutuava perto do na-vio, e Abelard ainda estava a 100 metros de distância. Halt impeliu o cavalo a se aproximar mais alguns metros e pa-rou derrotado quando viu as pessoas sendo içadas do bo-te.
Os dois passageiros menores foram conduzidos para o leme, perto da popa. A tripulação de escandinavos cercava os lados do navio, parada na balaustrada, soltando gritos de desafio para a pequena figura quase escondida pelas ondas agitadas e cinzentas.
No navio, Erak gritou para eles e se escondeu atrás da sólida amurada.
— Abaixem-se, seus idiotas! É um arqueiro!
Ele tinha visto Halt preparar o arco e suas mãos se moverem a uma velocidade incrível. As nove flechas que
lhe restavam estavam voando no ar antes que a primeira atingisse o alvo.
No espaço de dois segundos, três dos escandinavos parados na balaustrada caíram sob a tempestade de fle-chas. Dois deles estavam gemendo de dor, o outro estava assustadoramente quieto. O resto da tripulação se jogou no convés quando as flechas passaram sibilando e caíram com um barulho forte ao seu redor.
Com cuidado, Erak levantou a cabeça acima da amurada, certificando-se de que Halt não tinha mais fle-chas.
— Ponham-se a caminho — ele ordenou e pegou o remo de direção.
Will, temporariamente esquecido pelos escandina-vos, se aproximou da balaustrada. Eram apenas algumas centenas de metros e ninguém estava prestando atenção nele. Sabia que podia nadar aquela distância e começou a estender a mão para o parapeito. Mas então hesitou pen-sando em Evanlyn. Não podia abandoná-la. No instante em que refletia sobre o assunto, a enorme mão de Horak se fechou sobre a gola de sua jaqueta e ele perdeu a opor-tunidade.
Quando o navio começou a ganhar velocidade, Will olhou para a figura montada ao longe, atacada pelas on-das. Halt estava tão perto e, ao mesmo tempo, totalmente fora do alcance. Seus olhos se encheram de lágrimas e, muito distante, ele ouviu a voz de Halt.
— Will! Fique vivo! Não desista! Vou encontrar você aonde quer que eles levem você!
Sufocado pelas lágrimas, o garoto levantou o braço num gesto de adeus para o amigo e mentor.
— Halt! — ele gemeu, mas sabia que o arqueiro não poderia ouvi-lo. Mais uma vez, ele escutou a voz do mestre acima dos sons do vento e do mar.
— Vou achar você, Will!
Então o vento encheu a enorme vela quadrada do navio que se afastou da praia, movendo-se cada vez mais depressa na direção nordeste.
Durante um longo tempo depois que a embarcação tinha desaparecido atrás do horizonte, a figura encharcada permaneceu sentada em seu cavalo mergulhado nas ondas até o peito, olhando para o vazio.
Seus lábios ainda se moviam numa promessa silen-ciosa que só ele podia ouvir.